Testando

20 de março de 2023 0 Por Leandro Marçal

Ser colocado à prova me irrita. Não que eu seja o cara mais difícil de me aborrecer, não que eu seja um exemplo de bom humor e entusiasmo. Mas me ver ali, diante de outras pessoas, sendo testado em um momento de “vamos ver se você é quem parece ser” me faz mal.

Tomando como exemplo uma daquelas avaliações intermináveis para um novo emprego. Quando me vi diante de uma folha em branco, precisando redigir um texto para provar meu talento de organizador de palavras com algum sentido, tive dúvidas se o meu currículo não era capaz de falar por si. Me questionava se havia um surto de preguiça no setor de RH, ou se precisavam mostrar serviço com métodos mirabolantes para encontrar o funcionário perfeito. Ou o melhor ator.

Antes de provas importantes, como um concurso público ou o Enem, sempre controlei a alimentação para evitar a caganeira-surpresa, mais relacionada à ansiedade que à comida gordurosa da véspera. Talvez eu não seja competitivo, talvez eu seja competitivo demais. Só sei que me sentia estranho com aquele monte de concorrentes dividindo salas, compartilhando uma falsa simpatia e a vontade de se classificar em primeiro.

Entre os piores testes, a prova prática da CNH não pode ser esquecida. Feita para errarmos, esquecermos a seta, deixarmos o carro morrer e a moto desequilibrar. Tudo ali, na frente da multidão desconhecida, no meio da rua, no centro da cidade, quase um show de calouros.

Ser colocado à prova é irritante, mas passar por testes de amizade, amorosos e familiares me faz perder a linha. Algumas infecções sexualmente transmissíveis me causariam menos sofrimento. Não que eu já tenha passado por esse tipo de, digamos, contratempo, mas a frase anterior soa ácida e divertida, é quase um bordão de programa humorístico de gosto duvidoso.

Voltando aos testes e ao lamento pelos testes: é o amigo que repete um apelido que te incomoda, que puxa o assunto capaz de te ferir, que se faz de besta para se divertir às suas custas. É a amizade que se sente no palco do programa do João Kleber, dizendo à plateia um “vâmo rir, vâmo rir” enquanto você cospe abelhas africanas pela boca e solta fumaça pelas orelhas. Um Teste de Personalidade tão inútil quanto desnecessário.

É o suposto amor jogando verde, fazendo a pergunta e esperando uma resposta. Mas não qualquer resposta, precisa ser aquela resposta, ou aquela atitude. Seguindo um roteiro sem direito a cacos. Se você errar nesse ensaio, sofrerá uma punição baseada no código penal das chantagens emocionais, mesmo se não tiver feito nada de errado.

É o familiar apelando à memória, aos bons tempos, às suas fraldas trocadas antes de começar a declarar imposto de renda. São testes de paciência, de gratidão, de socorro, de limpeza das merdas que você não cagou nem pisou, mas para não soar prepotente e egoísta aparece com água, papel higiênico e lenço umedecido.

São joguinhos inúteis, onde ninguém joga limpo e só há derrotas. São pequenas competições cujo prêmio é uma emoção incompreensível. São testes de pequeno poder, de exposição, de constrangimento.

Somos o que somos. A gente é assim, e quando se conhece há tempos, testes são ridículos. Talvez eu seja meio aborrecido, talvez um pouco mais que aborrecido, mas talvez eu não seja só isso.