Na fila

14 de junho de 2021 1 Por Leandro Marçal

No curso de escrita literária, concordei com o pódio montado por algum estudioso das letras. Escrever até que é legal, mas também é um sofrimento, então fica em terceiro lugar. Ter escrito um texto e vê-lo finalizado é bem melhor, mas pega a prata. A leitura ganha a competição inexistente. Nessa loucura de juntar palavras em parágrafos com certo sentido, nada é melhor do que ler.

Profissionais da palavra são obrigados a ler. Muito, de tudo. Só assim o ofício tem chances de ser exercido com alguma qualidade, mas nada é garantido. Há leituras por dever, outras por lazer. Quem nunca respirou fundo ao atravessar a nado um texto muito ruim para pagar as contas que atire a primeira pedra.

Leio muito. Sabendo disso, a Gê me presentou num aniversário do distante tempo antes da pandemia com um best-seller. Autoajuda. Daquelas. Consegui disfarçar e agradeci com educação e afeto, mesmo convicto em jamais perder tempo lendo aquela merda.

Sem querer cobrar, mas já cobrando, a Gê passou alguns meses perguntando o que eu tinha achado da leitura de presente. Uma indelicadeza, é verdade. Eu disfarçava, mudava de assunto, falava na falta de tempo e na vida corrida, mas garantia que aquela merda era um dos próximos na fila. Não com essas palavras, é claro. Quando terminamos, respirei aliviado. Eu até gostava da Gê (muito, bastante mesmo), mas não aguentava mais inventar desculpas para não passar os olhos pelas linhas mal escritas de encheção motivacional.

Minha fila de livros tem regras flexíveis. Mês passado, por exemplo, alimentei a ideia fixa de enfileirar biografias. Depois de ler a terceira, vi uma notícia sobre uma ficção recém-lançada e lembrei que promessas boas são sempre quebradas. Eu perderia uns dias para ler aquela merda que a Gê me deu de presente se me pagassem uma boa grana. Não me pagaram nada, então não li e nem lerei.

Nos últimos dias, antes de dormir e nos períodos de folga, leio um romance em forma de diário, presente do último aniversário. Leitura atrasada. Depois desse, devo me debruçar em outra obra com linguagem de anotações. Tenho a estranha mania de anotar livros parecidos para “maratonar” um gênero, um autor, uma época de publicações meio parecidas entre si. Depois, desisto da sequência e volto a ler o que me dá vontade, sem qualquer lógica aparente.

Quando vejo os livros ainda não lidos na minha estante, os livros que vou comprar em breve, os livros digitais armazenados no meu Kindle e os lançamentos do meu gosto, sinto algum desespero.

Já tive crises de ansiedade diante de listas criadas e abandonadas, e-mails não lidos, mensagens não respondidas e livros não lidos. Não gosto de abri-los antes da hora, sem estar bem preparado, abandonando a leitura no meio do caminho. Me sinto frustrado, confesso, mas a vida é muito curta para ir até o final de um livro ruim. Como aquela merda, culpada por deixar a Gê meio chateada comigo.

 Eu é que não me chateio pelo tempo insuficiente para ler tudo que tenho vontade. Tudo bem, a leitura segue como atividade campeã no mundo das letras. Deixa no chinelo ter escrito crônicas como esta.  E fica bem longe de escrever, esse sacrifício destinado aos malucos.