Molho à produção de conteúdo

31 de maio de 2021 0 Por Leandro Marçal

A pergunta me atingiu como um soco no estômago. Foi durante as instruções da moça no Instagram, que ensinava a fazer um molho diferente para a macarronada de domingo. Meio avessa a redes sociais, minha mãe se familiarizou bem com os vídeos na internet sobre receitas e plantas, mas ainda resiste a mexer no controle remoto da tevê por assinatura.

— Produtora de conteúdo, que é isso?

— Uma produtora faz o quê? Produz. Conteúdo é o quê? É coisa. Produtora de conteúdo faz coisas na internet — respondi fingindo racionalidade e discernimento.

— Fazer coisas e jogar na internet dá dinheiro, é? O povo inventa moda e se orgulha disso…

Rimos. Mas é difícil explicar. Criador ou produtor de conteúdo. Sempre que aparece gente orgulhosa, batendo no peito ao falar do suposto ofício, lembro minha sitcom favorita: Seinfeld, a comédia sobre o nada. Essa tal de produção de conteúdo é meio Seinfeld: vídeos, textos e… conteúdo sobre o nada, textos abordando coisa nenhuma, buscando cliques, visualizações e nada mais.

Nada contra os produtores de conteúdo, tenho até amigos que são. Muitos resistem e até compartilham conhecimento, tratam de assuntos relevantes, dão dicas práticas. Outros proporcionam entretenimento de mau gosto que até vale a pena ser consumido, dependendo da saúde mental do internauta. Acho maravilhosa a democratização dessa, digamos, profissão (tenho dúvidas sinceras se a turma se enxerga como classe trabalhadora).

No fundo, no fundo, somos todos produtores de conteúdo gratuito para um punhado de bilionários, donos de redes sociais nababescas monopolizando nossa atenção. Mas uns poucos felizardos dão até sorte e ganham um bom dinheiro com isso. Com o nada, no maior estilo Seinfeld. Como diz minha mãe, fazem coisas na internet e faturam muito mais do que o motorista de aplicativo, o padeiro e o dono do boteco. Do conteúdo produzido não brota um parafuso. É pura abstração, deixando tudo mais difícil de se explicar. Mas se o conteúdo é impactante está tudo certo, dizem os especialistas no mundo digital.

São textos pessimamente escritos na internet, mas ranqueando bem no Google (seja lá o que isso queira dizer) com a repetição nauseante das mesmas palavras; vídeos rasos comentando atualidades sem o mínimo embasamento; musiquinhas e palavrinhas do momento replicadas na velocidade do coronavírus para driblar ou tabelar com o algoritmo. Algoritmo, algoritmo, algoritmo. Sempre o algoritmo. Sortudo que sou, minha mãe nunca perguntou o significado e as origens dessa entidade estranha, invisível e aprimorada pelas instâncias superiores e virtuais.

Quando me acusam de ser escritor, faço questão de atravessar a rua para não dividir a calçada com essa gente metida a criadora de conteúdo, como se estivesse aí a invenção da roda ou a solução para o aquecimento global. Não sei bem a diferença entre produtores de conteúdo e encantadores de serpente, mas espero um dia ainda descobrir.

E o molho da macarronada de domingo estava bom demais, devo confessar. Até anotei a receita, depois de curtir o vídeo da moça do Instagram e rolar o feed (é assim que dizem?) para ver outro prato impactante para os próximos finais de semana.