Mais um conto de Natal

22 de dezembro de 2021 2 Por Leandro Marçal

Era uma vez um cronista meio pessimista, meio idealista. Em dezembro daquele ano estranho, ainda mais estranho e traumático que o anterior, esse cronista passou um tempo encarando seu velho notebook. Precisava escrever o último texto antes das festas. A última crônica do ano, tradição de décadas entre escribas.

Constrangido na solidão do escritório ao lado da cama, teve dúvidas. Haveria sentido celebrar o fim de outros 12 meses trágicos? Vacinado com as duas doses imunizantes contra a Peste, ainda não voltara a uma rotina normal, plena, de convívio social, botecos e encontros. Não se sentia 100% seguro no dia a dia, nem havia superado a sequência de lutos se sobrepondo.

Luto pelas perdas de pessoas próximas, amigas. Umas levadas pela Peste, outras distanciadas de maneira irreversível por suas escolhas contra a ciência e a vida, contra o bom senso e em prol da destruição e das mortes.

Mesmo quando existia uma vida normal, o cronista nunca foi de se empolgar com festas de fim de ano e seu consumo desenfreado, suas necessidades desnecessárias, suas chatices disfarçadas de otimismo. Mas sorria e fingia cordialidade para encerrar rapidamente os papos protocolares.

Ainda parado na frente do notebook e sem ideias a lhe povoar a cabeça, digitou: “A última crônica do ano”. Um título batido, repetido. Há um texto muito famoso nomeado quase assim e escrito por Fernando Sabino. Leitores atentos e leitoras perspicazes poderiam interpretar como referência. Seria muita pretensão, apagou tudo e a página voltou a ficar em branco.

“Mais um conto de Natal”, digitou. Isso. Se pensassem num livro clássico escrito há mais de 150 anos, paciência. O título serviria como ironia, cansaço e protesto contra esses textos desejando realizações, saúde, sucesso e progresso de um jeito automático, como um formulário preenchido na recepção. Velhos clichês de dezembro. De conto, o texto não teria nada, pensou o cronista.

Começou a digitar, passou pelo ceticismo com o espírito natalino, flanou entre a pouca vontade de sair de casa na virada do ano e a sobrevivência como felicidade solitária por não ter sucumbido à Peste. Era isso. Quem sabe essa última crônica do ano, esse conto não-conto de Natal, não servisse como respiro literário.

Precisamos, nós todos. Fôlego para enfrentar um 2022 que tem tudo para ser pior, como naquela tirinha famosa do André Dahmer, um tsunami de psicodelia prometendo nos cobrir com o mar de fezes da realidade brasileira. Tem eleição, tem inflação, tem golpismo, tem correria do cotidiano. Tem muito mais.

Sem conseguir escrever nem mesmo uma linha decente, o cronista até deixou o pessimismo adormecido. E encerrou sua crônica mambembe, desejando aos leitores e às leitoras um bom Natal, um 2022 melhor, menos caótico. E saúde, muita saúde. O ano que vem há de ser longo, muito longo.