Jornalistas no bar

24 de março de 2023 0 Por Leandro Marçal

Nosso encontro foi a boa coincidência do sábado à noite. Três mesas dividindo a mesma formação, as mesmas cervejas e as mesmas porções de isca de frango. Fazia um bom tempo que não nos víamos. No máximo, um aceno na calçada aqui, uma pauta com deadline apertado ali, um cumprimento na fila do mercado lá, sem muito tempo para conversar e dar boas risadas.

Entre nós, só gente boa. Só gente da gente. Longe das chefias burocráticas e pouco sensíveis. Sem figuras vaidosas, sentindo-se sobre-humanas porque aparecem na televisão e são reconhecidas por idosos na rua. Entre nós, só profissionais com marca de notebook nas pernas e de celular nas orelhas. Pouca gente sabe, mas jornalistas são seres humanos. Muito humanos.

Ouvimos boas histórias compartilhadas por quem tem habilidade e talento para contar histórias. Reclamações de salário baixo e carga de trabalho alta. Muito alta, altíssima, desgastante. Não poderia faltar, claro. Também não poderia faltar o velho lamento pela escolha da profissão com suas agruras.

Falamos de amenidades e de assuntos sérios. A família, os relacionamentos, a saúde, os rumos do país e da nossa aldeia. Não deixamos de ridicularizar idiotas em altos cargos. Podem até ganhar muito, mas não deixam de ser idiotas. Faz parte da vida em qualquer profissão.

Compartilhamos as idas e vindas dessa formação ingrata, tão incompreendida e atacada nos últimos anos. O setorista de um clube de futebol, a freelancer no jornal de economia, o fissurado em notícias de última hora, a redatora de uma agência de publicidade. Tinha mais gente, claro que tinha.

Celebramos a vida, apesar de tudo. Apesar das jornadas desgastantes, apesar das trairagens da área, apesar das ordens de quem pouco ou nada sabe, apesar das tantas danças das cadeiras, apesar da instabilidade, apesar dos pesares.

Mesmo assim, parece difícil (em alguns casos é impossível) trabalhar com outra coisa que não seja a comunicação. É como se há décadas lidássemos com uma dependência química incurável, talvez controlável, e mais perigosa que a das bebidas nas mesas. Mesmo aquele mais distante da loucura que é nossa típica correria diária sabia contextualizar, em detalhes, as notícias mais recentes e ainda ignoradas por outros mortais.

Como um bumerangue, parece que o jornalismo sempre volta até nós. De um jeito bem distante do que nossas mães imaginavam no começo da faculdade, já que não dividimos bancada com o William Bonner. Mas ele parece sempre ali, escondido em outros círculos de amigos e nas relações interpessoais.

No bar, vivemos mais uma dessas voltas, de onde parece que nunca saímos. Foi um bom encontro, despretensioso como os bons encontros.