Ficou rico assim, do nada

1 de junho de 2019 0 Por Leandro Marçal

Espremi os olhos e vi o letreiro. Não era meu ônibus. Voltei a me distrair com o celular. Levantei a cabeça quando a buzina de um carro preto e brilhoso se sobrepôs ao ronco de um motor importado. Levantei a cabeça. Márcio acenou e ofereceu carona.

O cheiro de novo me chamou atenção, mais que os óculos escuros e o novo estilo do velho amigo. Mais bonachão, jeito de bon vivant. Perguntou as novidades do emprego onde nos conhecemos.

Um adesivo dourado decorava o painel. Antes que eu perguntasse, me falou de um novo investimento. Mudaria minha vida. Rendimentos diários altíssimos. Nada de teorias econômicas, era o dinheiro trabalhando para a gente, na prática. Era real, tentou me convencer. Algo virtual, uma maneira de quebrar o sistema sem infringir as leis, se empolgou.

Sua animação me fazia lembrar os pastores midiáticos. Tentava me explicar a melhor maneira de mudar de vida, não ter patrão. Me admirou o entusiasmo de quem só reclamava. Márcio jogava na loteria às quartas e sábados, sem falta, como um ritual religioso que o livraria da vida comum.

Tentei me esquivar, mas a marcação era cerrada. Não devia perder tempo, melhor investir logo, continuou. Desconfiei de alguma comissão ou bônus para cada novo integrante indicado por ele. Márcio não prestou atenção ao caminho e virou à direita, avisei de um retorno pouco mais à frente. Tentando me esquivar, prometi pensar melhor a respeito, a vida não andava fácil, não tinha nada de grana a mais, precisava pagar minhas contas do mês. Márcio insistia.

Senti um arrepio quando me contou o valor das parcelas da caranga. Ninguém é de ferro, mas os resultados já estavam aparecendo, prosseguia. Usou parte da rescisão de outro emprego e um dinheiro emprestado pela mãe para o início da nova vida no tal investimento gringo, de difícil pronúncia. Perguntei se era um nome egípcio, em alusão às pirâmides. Márcio não entendeu a piada.

Falou em mindset, trading, feedback, pensamento positivo, mudança de propósitos e outros termos esquisitos. Se eu comparecesse à reunião dos investidores diamante na semana seguinte, entenderia melhor. Prometeu me colocar em um grupo de WhatsApp. Era hora de criar riqueza e multiplicá-la juntos, disse com dedo em riste.

Antes de dormir, fiquei curioso para ver os papos no grupo de futuros investidores diamante, ouro, platina e outros nomes usados para classificar os discos mais vendidos. Um desconhecido, mais corajoso que eu, enviou links de notícias apontando fraudes e investigações. Tudo negado, armação, conspiração, inveja, claro.

Se você quer sucesso, tem que arriscar. Não adianta acreditar em tudo que saem falando por aí. Pra cima! – Márcio devia ter herdado o entusiasmo de seu líder, um dos administradores do grupo.

Sou um entusiasta do ceticismo, também para dinheiro fácil e rápido. Trabalho demais para pagar minhas contas e estar bem alimentado. Nada demais. Demais, mesmo, é aguentar aquele discurso meio autoajuda, meio sapatênis. Não saí do grupo por timidez, mas parei de responder às mensagens cansativas do meu amigo.

Olhei o perfil do Facebook de Márcio e os resultados de seu investimento milagroso são postados diariamente. Ele tem muita vontade que mais gente dê o primeiro passo, como fez há uns meses. Queria entender essa vontade de ficar rico de uma hora para outra, com dinheiro caindo do céu ou brotando de árvore. A todo custo, feito milagre. Espremo os olhos e não há letreiros indicando a ganância burra no ônibus dos que buscam levar vantagem por todo o tempo.