Cloroquiners

15 de janeiro de 2021 2 Por Leandro Marçal

Me assustei com a foto de S. nas redes sociais. Na postagem, três perfis marcados: uma marca de roupas e seus dois sócio-proprietários. Destaque na tatuagem recém-desenhada na nuca, com logotipo e slogan da loja preferida de S. Na legenda/explicação/satisfação ao público, o significado do termo em polonês, referência à fé inabalável. 

Me impressiono com mensagens motivacionais nas redes sociais corporativas, habitadas por disseminadores do milagre do empreendedorismo e dos sapatênis. Me causa espécie ver cada post/textão agradecendo o banco privado pelo envio do cartão de crédito colorido, usado por gente bem nascida.

Me acostumo com essas bizarrices, mas não devia. Idolatrar marcas e empresas do mercado financeiro é sinal de mau gosto. Sou um chato de bom senso.

E quando pensei que a bizarrice tinha chegado ao limite, a pandemia trouxe à tona os cloroquiners. Um desinformado fã clube do medicamento usado há anos contra amebíase hepática, artrite reumatoide, lúpus e doenças que provocam sensibilidade dos olhos à luz. Para os cloroquiners, o remédio tem poderes mágicos contra a lamentável covid-19 e as mortes causadas pela doença são milagrosamente evitadas com o uso do comprimido encantado.  E nem adianta aplicar doses cavalares de bom senso, tampouco apresentar teses robustas sobre estudos científicos contradizendo a nova religião pandêmica.

S. é um cara sensato perto dos cloroquiners. O grupo é massivamente composto por entusiastas do atual desgoverno, confiando cegamente na estupidez de um genocida. Pregam boicote a vacinas e fazem pouco caso das óbvias consequências do uso indiscriminado do remédio de uso controlado e sem efeitos contra a Peste.

É bem provável que o leitor tenha o desprazer de conhecer um cloroquiner no grupo de amigos, no trabalho ou na família. A leitora certamente se espanta ao notar como o tiozão reaça deixou de ser folclórico e virou uma bomba-relógio, difundindo o tal remédio como solução simples para um problema complexo, com extrema convicção. Segundo seus “argumentos”, pessoas aqui e ali foram curadas da covid-19 pelo uso contínuo do medicamento. Um “raciocínio” raso e facilmente rebatido pela realidade. Pela lógica dessa horda, como sou viciado em comer rabanada e nunca tive câncer, pães fritos previnem tumores.

Investidos de cargos públicos, cloroquiners tiveram espaço em grandes veículos de comunicação. Irresponsáveis, cretinosEu jamais me atreveria a passar vergonha em público falando de beisebol. Não entendo nada. Mas os cloroquiners e a mídia apaixonada pelo Presidoente acham de bom tom deixar os cientistas de lado ao tratar de um tema científico.  Volta e meia, essa turma ainda aparece aí, na sua tevê, incentivando o uso do remédio como solução para voltarmos às aglomerações. Tudo porque o Capitão Cloroquina falou.

Esses ressentidos fazem malabarismo retórico para as massas tirarem as máscaras e se aglomerarem, lotando hospitais e colapsando o sistema público de saúde. Parecem sentir prazer sexual ao ver gente morrendo à espera de uma vaga na UTI.

Em meio às irreparáveis perdas de brasileiros diariamente, ainda há cretinos à vontade para exercer o papel de Advogados do Comprimido. Fica difícil sentir compaixão e empatia quando quem vai embora passou dias negando a gravidade da situação atual, como no caso do recém-falecido apresentador do SBT, entre outros lambedores de botas bolsonaristas. Deixo para seres mais evoluídos.

S. tem mau gosto em alto nível. Volta e meia, publica fotos em ângulos que ressaltam sua tatuagem com o nome em polonês, marcando os donos da marca de roupas, buscando chamar atenção. Mas essa idolatria não é nociva a mais ninguém. Os fãs de cartões de crédito são uns bobos. Já os cloroquiners, dispostos a defender aos gritos um medicamento para proteger seu ídolo de barro, são cúmplices de uma tragédia monumental. Infelizmente, ainda vai morrer muita gente por influência de uma corja. Eu não me acostumo. Nem devo.  

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