Um café com leite e aquele misto quente

13 de junho de 2019 3 Por Leandro Marçal

Chego à padaria 20 minutos antes do início do expediente. Sento no banco redondo, encosto as mãos no balcão e levanto o indicador para a garçonete. Nem preciso falar nada. O mesmo café com leite acompanhado de um misto quente é minha primeira refeição diária, antes dos repetidos acenos de bom dia nos corredores do andar em que trabalho.

A xícara é bonita, branca, apoiada em um pires da mesma cor. Rasgo o sachê de açúcar e pego uma pázinha transparente. Quebro a promessa diária de consumir menos daquele pó branco, tão viciante quanto outro pó branco vendido nas esquinas, segundo uma reportagem da revista de saúde que minha esposa assinou. Meu vale-refeição é maior que o salário de muita gente, posso me dar ao luxo de ganhar tempo e comer fora de casa até duas vezes por dia.

A garçonete segura o cabo marrom da faca e corta o sanduíche matinal em dois pedaços. O queijo derretido gruda no guardanapo entregue a mim em cima de outro pires. Terei a oportunidade de, depois de acabar com o misto quente, ainda passar o dedo sobre o restinho de queijo que fica ali. Será um dos momentos mais felizes do dia até a chegada do horário do almoço. Nas reuniões enfadonhas, lembrarei o restinho de queijo grudado no guardanapo. A cada cobrança sem sentido do meu chefe, mentalmente estarei mordendo o pão francês, ouvindo o barulho da crocância e sentindo o gosto da fusão entre a fatia amarela e a rosada.

O café com leite não pode ser nem muito escuro, nem muito claro. O calor deve desafiar a língua, um sopro é necessário antes de cada gole. Há um ritual a ser seguido: primeiro o café, depois o leite. Até que se chegue à cor adequada dentro do recipiente, é necessário olhar com atenção, observar os riscos em sentido horário até o café deixar de ser só café, até o leite deixar de ser mero leite.

Não tenho pressa, mas tenho hora para sair dali. Optei por acordar um pouco mais cedo e desfrutar de um restinho de sanidade na padaria. O dono do local, operando o caixa, não sabe meu nome. A garçonete desconhece minhas inclinações políticas. A convicção da pedida por um café com leite e aquele misto quente acompanhado de um gesto característico são a única certeza.

Eles me deixam ali, sozinho. Apreciando cada mordida, contando as mastigadas. Os colegas de escritório não entram em padarias, preferem levar iogurtes e granola. Melhor assim. Outros trabalhadores uniformizados vão chegando, pedem um pão de queijo, um pão na chapa. O mesmo morador de rua implora por uma moeda. Se não uso meu cartão de débito, lhe entrego o troco.

Não me despeço da garçonete e do dono da padaria. Deixo a xícara e os pires em cima do balcão. Jogo o saquinho de papel no lixo. Quando eles se dão conta da minha ausência, já passei o cartão na catraca principal, depois de cumprimentar o segurança e a recepcionista. Amanhã estarei de volta, com poucas palavras e uma conexão telepática antes de trabalhar sem sentir fome.