Callerite

6 de maio de 2024 0 Por Leandro Marçal

Doutor, o meu caso é grave? Pode falar, pode falar logo, pode falar de uma vez, não me esconde nada, acaba com o meu sofrimento, doutor. Não tenho medo de notícia ruim, eu sou forte, eu aguento a pancada. Faz tempo que percebi os sintomas, parecia só um incômodo, um estresse, uma cisma. Depois foi piorando, me atrapalhou no serviço, precisei pegar atestado, a minha família ficou preocupada, me obrigaram a vir pra cá, ameaçaram me internar numa clínica de recuperação. Quando o Calleri chegou no São Paulo, nem me animei demais, era só mais um atacante argentino tentando a sorte no meu time, sempre aparece um gringo tentando a sorte no meu time. Com o tempo, com os gols marcados, com tanta entrega em campo, com essa demonstração de vontade genuína de jogar pra gente, os meus sintomas de Callerite foram se agravando. Ele nasceu pra jogar no São Paulo, doutor. Nunca foi tão bem em nenhum outro clube da Argentina, da Europa, do mundo. É um centroavante monogâmico. Não pode sair daqui nunca, doutor. Eu sei, eu sei que o tempo passa, eu sei que as boas fases passam, mas também sei que as fases ruins também vão embora. Quando ele tinha perdido a confiança depois da lesão, tinha gente achando que nunca mais seria o mesmo. Eu não. Eu exercia a empatia a cada gol perdido, sentia a verdade no lamento depois das derrotas, me via representado dentro de campo. Eu sei, eu sei que os jogadores de futebol são profissionais, que um dia eles tão num time, depois em outro, porque o mundo da bola gira, tem os empresários, tem as contas pra pagar. Mas tô falando do Calleri, do Jonathan Calleri. Minha família se alarmou de vez quando parei de citar seu nome e passei a dizer Ele. Assim, com maiúscula: Ele joga hoje, Ele fez gol, Ele resolve, Ele tá em campo. Combinei com a minha esposa: se tivermos um filho, já sabe o nome, né? Conversei com o meu amigo do cartório e são muitos xarás do argentino batizados por outros são paulinos. Calleri é o novo Enzo, doutor. Quando tudo parece perdido, é no Calleri que mora a esperança. É ídolo, sim, doutor! O cara fede a gol, o cara nasceu pra jogar no São Paulo, o cara criou o movimento do Callerismo e disseminou a Callerite, essa epidemia. Não tenho medo de ser desenganado, doutor. Doutor, não precisa esconder nada. O meu caso é incurável, não é, doutor?