Naquele dia

22 de janeiro de 2024 0 Por Leandro Marçal

Naquele dia, acordei cedo. Bem cedo. Antes mesmo dos gritos do despertador e da tremedeira do celular. Não precisei de um aparelhinho eletrônico e viciante jogando na minha cara a necessidade de pular da cama logo nas primeiras horas do dia. E nem reclamei, de tão acostumado com as minhas obrigações diárias. Levantei, abri a janela do quarto e vi o calor dando as caras. Dessa vez, a previsão do tempo acertou.

Quando abri o chuveiro para o primeiro banho do dia, imaginava mais um dia igual aos outros. Um dia comum. Um dia de fazer as minhas coisas e voltar para casa. Um dia esquecível no conjunto dos dias. Um dia que não marcaria a memória. Só um dia.

Parecia mais uma manhã ordinária. Mais uma manhã comum. Mais uma manhã sem grandes emoções. Eu me sentia entediado. Depois daquele dia, aprendi a diferença brutal entre o tédio e a paz. Nessa ânsia por grandes acontecimentos, nesse apelo por sorrisos baratos, nessa vontade incessante de mais e mais, esquecemos como a rotina pode ser boa. Nem paramos para pensar em como a normalidade é saudável, como boiar no mar calmo é bem melhor do que se afogar sob as ondas.

Saí do banho e me troquei. Uma roupa sóbria e escura, nada de especial para um dia comum. Antes de sair de casa, conferi as mensagens no WhatsApp. O mesmo de sempre: papo furado num grupo, conversas irrelevantes no outro, um “bom dia” aqui, um “boa noite e até amanhã” ali, o lembrete daquele evento indesejável para dali a algumas semanas, as fotos no grupo da família. Nada daquela esperada resposta.

Nas redes sociais, não tive surpresas: notificações numa foto que me marcaram, propagandas não solicitadas, vídeos supostamente engraçados enviados por gente que me acha mal-humorado por não rir daquilo que não tem graça, sugestões para adicionar desafetos, pessoas esquisitas e desconhecidas me adicionando. Nada de surpreendente.

No e-mail, joguei fora o entulho de ofertas incríveis de produtos inovadores e serviços indispensáveis para mudar a minha vida, mas incapazes de despertar um milímetro do meu interesse. E nada da resposta sobre aquele projeto profissional que triplicaria o meu salário.

Na padaria, pensei em pedir um café da manhã diferente. Um pão especial e uma bebida com mais açúcar para que as próximas horas fossem adocicadas. Besteira. Pedi o tradicional café com leite acompanhado de um misto quente. Aquela mesma atendente esqueceu o meu pedido e voltou para confirmar. O de sempre? O de sempre. Saí a tempo de pegar o VLT, desci na porta do trabalho, atravessei a rua, cumprimentei o porteiro, passei o cartão na catraca, pensei na programação para o expediente, lembrei das tarefas inadiáveis na volta para casa.

Mas naquele dia, tudo mudou.

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