Um pequeno comércio na cidade invadida
– Joquinha, Joquinha! Baixa as portas, o exército inimigo chegou! Vambora!
– E minha loja, como fica?
– Tá louco, Joquinha? O exército inimigo é sanguinário, porra! Não viu na TV?
– E você acredita na TV? Eu tenho conta pra pagar, meu amigo.
Joquinha espreme os olhos e procura algo no balcão. Suspira, mete a mão no bolso e puxa o celular. Coça a cabeça, encontra os óculos pendurados por uma cordinha no pescoço.
– Mas Joquinha, olha pra rua.
Pessoas fogem, desesperadas. Velhos e velhas, crianças, homens e mulheres, cadeirantes e seus parentes. Uma gritaria enlouquecedora.
– Bando de cuzão, manipulados. Se vagabundo tentar invadir, é chumbo. Tudo armação, interesse, vê o vídeo até o final. E depois, eu quebro?
Na tela do celular, um homem olha para a câmera, desmente o que chama de farsa da invasão do exército inimigo, que nem é tão inimigo assim. Fala em prejuízos e desemprego futuro se os medrosos fugirem da morte. O som é abafado pelo barulho dos tiros na rua e as pessoas correndo. O amigo devolve o aparelho.
– Se assustou? Morre gente todo dia, para com isso. Olha meu prejuízo com a loja vazia, os desocupados nem vieram trabalhar hoje, depois reclamam.
– Me desculpa, Joquinha, vou embora.
– Vai,vai. Depois não me pede emprego.
– Que emprego, Joquinha? Acabou tudo, tudo!
Outra bomba lá fora. Essa foi forte. O barulho diminui. Um grito e o amigo de Joquinha é metralhado em frente à loja.
– Eu avisei, paciência. Já era, o exército agora vai botar ordem nisso.
Caído no chão, o corpo de Joquinha parece uma peneira. Mais de 80 tiros. Soldados invadem a loja, derrubam as prateleiras, levam mercadorias. Quando vão embora, uma bomba explode lá dentro. Silêncio na rua, os corpos se amontoam.