Sobre o antídoto contra a solidão

16 de maio de 2022 1 Por Leandro Marçal

Se você chegou a esta crônica buscando um remédio para se curar da própria companhia, conteúdo sobre diferenças entre solidão e solitude ou críticas aos que preferem ficar no próprio canto, recomendo procurar terapia. Lamento informar, mas escolhi como título uma referência ao livro Um antídoto contra a solidão, publicado pela Editora Âyiné. Nessa excelente coletânea de entrevistas, artigos e perfis, conhecemos com mais profundidade a trajetória e o pensamento do escritor David Foster Wallace, falecido em 2008.

Sou o tipo de leitor que usa a sigla DFW como um código para expressar uma inexistente intimidade com o autor, mas profunda conexão com seus escritos. Esse tipo de leitor é capaz de passar horas falando de aspectos minuciosos de um gênio que causou barulho na literatura dos Estados Unidos em 1996, ano de lançamento da obra-prima Graça Infinita. E esse tipo de leitor do DFW trará bons argumentos para convencer desavisados a encarar as mais de mil páginas e trezentas notas de rodapé de uma história fragmentada, tristemente bem-humorada e crítica à nossa forma de encarar o entretenimento.

Chamam atenção alguns trechos da entrevista de 1993 a Hugh Kennedy e Geoffrey Polk, do Whiskey Island, onde o DFW tenta encontrar respostas aos motivos que o levaram a dedicar tanto tempo e tantas páginas a nós, meros leitores: “(…) existem alguns poucos livros que eu li e que me transformaram em outra pessoa, e acho que toda boa literatura de alguma maneira aborda o problema da, e age como um antídoto contra a solidão. Nós somos todos muito, mas muito solitários. E existe um caminho, ao menos na prosa de ficção, que pode permitir que você tenha intimidade com o mundo e com uma mente e com personagens de quem você não pode ser íntimo no mundo real. Eu não sei o que você está pensando. No fundo não sei grandes coisas de você, da minha irmã, mas uma obra de ficção que seja verdadeira de fato permite que você tenha intimidade com… eu não quero dizer pessoas, mas ela permite que você tenha intimidade com um mundo que se parece com o nosso num número relevante de detalhes emocionais para que a forma diferente com que você sentiu as coisas possa ser transportada de novo para o mundo real. Acho que o que eu queria que as minhas coisas fizessem era deixar as pessoas menos sozinhas. Ou tocar de verdade as pessoas. Às vezes acho que o que estou fazendo, se tento ser particularmente ofensivo ou radical ou sei lá o quê, é só uma fome imensa de algum tipo de efeito.”

Existe uma conexão profunda e genuína no grupo de leitores fissurados pelo romance colossal e também pela antologia de contos Breves entrevistas com homens hediondos. Esse grupo passou meses intermináveis esperando a publicação em português brasileiro de O rei pálido, obra inacabada de um escritor que sucumbiu à depressão depois de duas décadas de tratamentos, tirando a própria vida no fim da primeira década do século.

Quando encontro escritores dando os primeiros passos na literatura em busca de fama e dinheiro, penso em outra fala do DFW: “É muito difícil separar o que você quer que a sua literatura faça dos seus próprios desejos de como você vai ser tratado por causa do que escreve. Às três da manhã, quando estou só, tenho delírios de desfiles em carro aberto, Poeta Laureado do Mundo Ocidental, Bolsas MacArthur e Prêmios Nobel, leituras como a de ontem à noite só que com 15 mil pessoas, sabe, esse tipo de coisa. Então nenhum sentimento no que se refere a efeitos desejados é puro, livre de fins egoístas.”

Wallace não teve tempo de presenciar a epidemia das redes sociais, onde o tempo parece passar rápido demais e centenas de loucuras acontecem em poucos minutos. Um ritmo diferente da escrita, da literatura: “A coisa é de longo prazo. Você escreve pensando a longo prazo. Eu espero que nada do que fiz até agora esteja nem perto de ser o melhor que posso fazer. Vamos torcer pra não chegar aos 55 fazendo a mesma coisa. Eu diria ‘cuidado pra não se esgotar.’ Você pode se esgotar porque se ferrou sem grana e sem atenção por muitos anos, mas isso também pode acontecer se você ganhar um pouco de atenção. As pessoas vêm ao seu quarto de hotel e acham que você tem coisas interessantes a dizer. Você pode deixar que isso faça você começar a pensar que não pode abrir a boca a não ser que seja para dizer algo interessante. Pra mim, cinquenta por cento do que faço é ruim, e é simplesmente assim que vai ser, e se eu não conseguir aceitar isso então estou no ramo errado. O negócio é saber o que é bom, e não deixar os outros verem.” Mais uma declaração dada em 1993. Ele não chegou aos 55.

Uma boa porta de entrada para o vício em DFW é Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, seleção de ensaios de não ficção, como Isto é água, seu discurso de paraninfo para formandos do Kenyon College em 2005. Conectar-se com sua escrita não é tarefa fácil. Exige esforço e boa vontade, mas vale a pena.

Se nascemos sozinhos e morreremos sozinhos, os livros de David Foster Wallace – e de todos os bons autores e boas autoras que nos cruzam no meio do caminho – são ótimas e indispensáveis companhias.