Seguidores, uma doença

6 de fevereiro de 2023 0 Por Leandro Marçal

Por infinitos segundos, eu não soube o que responder. Fiquei sem reação, surpreso com o que ouvi. Não era possível que o Cássio, meu amigo de infância, levava tão a sério o número de pessoas lhe acompanhando no Twitter.

— Não posso falar qualquer coisa, tenho que ser responsável com os meus mais de 50 mil seguidores, brother — disse, entre o vislumbrado e o orgulhoso.

Fingi um aperto no estômago, pedi licença e fui ao banheiro do restaurante. Lá, abri o celular e conferi: o Cássio tem mais de 50 mil seguidores e já foi chamado de influenciador numa daquelas matérias sobre não assuntos. Suas pseudoanálises sobre qualquer tema repercutem nas redes.

Logo o Cássio, tão tímido e mentiroso, virando referência de opinião para milhares de pessoas? O mundo dá voltas, diria o coach. Desde os tempos de colégio, eu era um dos poucos com disposição para manter um vínculo mínimo e ouvir suas histórias.

E até hoje são poucos os que lhe cercam. Mas são muitos os que lhe seguem. Mais de 50 mil, é difícil de acreditar. Quando voltei do banheiro, o meu amigo de infância não escondia o sorriso amarelado de orgulho.

— Foi conferir, né?

— Fui, pensei que era outra lorota daquelas.

Também passei a segui-lo depois de uma cobrança esquisita. Para o Cássio, era absurdo eu não acompanhar suas autointituladas análises no mundo digital. Os amigos têm que fortalecer os sonhos dos amigos, ele afirmou em tom motivacional.

Como a maçã caindo na cabeça de Isaac Newton, na fila do caixa eu entendi porque o Cássio tinha surtos de deselegância, falando sem olhar na minha cara porque digitava compulsivamente na tela do celular.

Me perguntei se algum dos 50 mil seguidores conhecia seu jeitão desengonçado, sua alergia a trabalho, sua pouca disposição ao bom senso, seu estilo sambarilove de levar a vida. Enquanto o Cássio pagava sua comanda, eu arrastava a tela e me espantava: nas redes sociais, só mesmo nas redes sociais!, esse idiota é elogiado, visto como uma referência, um oráculo, um formador de opinião.

Digitei a senha do meu cartão de débito e vi o meu amigo de infância se empenhando por uma selfie, rapidamente curtida por uma centena de desconhecidos em seu perfil. Arrastando a tela outra vez, reparei que além das opiniões sobre o sol e o vento e a chuva e a previsão do tempo, o Cássio fazia questão de comentar sobre esportes, política, família, calvície, infecções sexualmente transmissíveis e outros interesses dos meros mortais.

Se o Cássio pudesse ler meus pensamentos, me acusaria de invejoso, porque na minha mente martelava a ideia de que só a polícia poderia segui-lo e tirar daí algo de útil. Eu disse à moça do caixa que não precisava da minha nota, saí e tomei um susto porque essa suposta celebridade pediu que eu desse um recado aos seus seguidores.

— Vão tomar no cu e procurem algo útil pra fazer — falei sem gaguejar.

O meu amigo de infância ficou bravo e pediu mais respeito, porque estávamos ao vivo, porque os seguidores curtem o seu trabalho (?) nas redes, porque ninguém merece esse tipo de desaforo, porque existe preconceito contra influenciadores, porque sou chato e analógico demais para entendê-lo.

O Cássio foi embora sem se despedir e eu segui o meu caminho.