Retrospectivofobia

21 de dezembro de 2022 0 Por Leandro Marçal

Nada de medo exagerado, acho que é mesmo uma aversão. Talvez pela overdose de melhores momentos dos últimos 12 meses nos noticiários, especiais de fim de ano e publicações nas redes sociais. Algum desavisado pode apontar mera chatice da minha parte e eu considero isso um sincero elogio, porque a gente sempre acusa de chato quem aponta as nossas inconsistências.

Tiram a poeira dos vídeos e das fotos e das postagens de janeiro para cá. E relembram os textões motivacionais com outro textão motivacional, e as viagens com cara de reality show sem audiência, e os namoros que não terminaram, e os empregos sem demissão, e a felicidade compartilhada sem ninguém pedir. E eu me sinto cansado e com preguiça e exausto.

Não que o meu ano tenha sido ruim, foi na média, com conquistas, com tropeços, com uns dias de tédio e outras horas de riso, sem nada muito espalhafatoso. Por mim, tudo bem. Como não sou uma empresa, não preciso publicar balanços anuais em veículos de comunicação. Sei lá, é tudo uma continuidade: não vou zerar as coisas na virada do ano, o processo e a luta continuam a cada mês, a cada semana, todos os dias.

Antes de atravessar a rua, olho para os dois lados, não quero ser atropelado por uma retrospectiva. Ando devagar para não tropeçar em uma retrospectiva no meio do caminho. Uso máscara para não ser contaminado pela epidemia de retrospectivas. Evito o uso de entorpecentes com medo da dependência química em retrospectivas.

(Nos meus piores pesadelos, existe a instituição Retrospectivos Anônimos: “Oi, meu nome é Fulano e estou há 358 dias sem postar retrospectivas nas minhas redes sociais. Só por hoje eu não vou fazer questão de contar pra Deus e o mundo como foi o meu ano. Só por hoje…”)

E olha que não sou de esquecer as coisas. Tenho boa memória, sou o tipo que lembra umas datas, uns fatos, umas velhas histórias. Mas sem cumprir o protocolo fictício do fim de ano. Parece que estamos fechando uma conta no bar depois de uma bebedeira com uma galera. Algum desavisado diz que a divisão não está muito correta e refazemos os cálculos da consumação individual. Daí, revisitamos o mês a mês, conferindo se está tudo certo antes de passarmos para o próximo janeiro, e repetirmos as mesmas metas descumpridas, e acumularmos as mesmas pendências nesse período.

Se você é entusiasta do excesso de retrospectivas e chegou a este último parágrafo, não precisa me xingar, nem gastar o seu sagrado tempo e a sua preciosa energia vomitando maldições contra mim. Reli meus textos publicados esse ano, revi as fotos tiradas com meu celular, revisitei as postagens dos últimos 12 meses, replanejei as metas esquecidas na primeira semana de janeiro e concluí que não sou tão importante assim.