Quem vai, quem fica

20 de julho de 2020 1 Por Leandro Marçal

Fui deitar cansado depois de um exaustivo dia de trabalho. De olhos fechados, tentei esvaziar a cabeça, sem sucesso. Não conseguia pegar no sono. Resolvi me entregar às drogas pesadas das redes sociais. Sem assunto para falar com outros seres humanos, dei uma zapeada arrastando a tela do celular, como se tivesse um controle remoto na mão. Passei por fotos egocêntricas, polêmicas vazias e textões sonolentos.

Entrei no emaranhado das lembranças. Não sei por qual motivo as redes nos jogam na cara o tempo passando: há tantos anos, você publicou isso e aquilo. Deve ser para ficarmos chateados com o mundo pior. Assim, nos afundamos mais e mais na areia movediça das postagens e cliques inúteis, aumentando a fortuna de um bilionário longe daqui.

Nem faz muito tempo. Na foto de anos atrás, me vi mais forte e sorridente, abraçado a uma pessoa sumida. Um afastamento natural. Se nos encontrarmos por aí, é capaz de nos cumprimentarmos educadamente, mas nada igual a antes. Éramos inseparáveis. De ter aquela intimidade da comunicação pelo olhar. Nem precisava avisar, já entendia o alerta sobre alguém não confiável ou o ambiente ficando esquisito e prejudicial. Nossas famílias eram próximas e os churrascos frequentes.

Tentei lembrar o que causou o afastamento. Não tivemos uma discussão ou briga feia. Claro, como poderia esquecer? Essa pessoa me prejudicou enquanto dava tapinhas nas costas. Só descobri a casa caindo ao ouvir o barulho das paredes ruindo e seus passos distantes, me deixando no meio dos escombros. Foi tudo rápido, muito rápido. Seguiu seu rumo e nunca mais deu notícias, viramos meros vizinhos de planeta.

Por causa dessa pessoa, tive problemas familiares e financeiros. Arrastei a tela como se fosse possível fugir das lembranças causadas por aquela foto. Se já estava difícil dormir, mesmo tão cansado, uma preocupação a mais não me faria bem. Pensei melhor e voltei. Não tem jeito, os bons churrascos ficam. Não podem ser apagados. A comunicação telepática, não. Foi aniquilada.

Uma janelinha apareceu na tela, era a mensagem de outra pessoa. Essa nunca foi assim, tão próxima, mas chegou mais perto nos dias tumultuados. Perguntou se eu estava acordado, se tinha algum problema. Sabe que costumo dormir cedo, puxou assunto sobre os últimos dias, jogou conversa fora.

Algumas pessoas vão, outras ficam. Vendo as lembranças das redes sociais, pensei nos transtornos deixados por quem foi, talvez pela pouca atenção dada às que ficam, mesmo nos dias de escuridão.

A pessoa, a que ficou, perguntou outra vez se estava tudo bem. Repeti: sim, tudo tranquilo. Já a outra pessoa, a que foi, seguia na foto. Antes de ir embora, nem se despediu. E havia tempo para isso. Alguns caminhos se cruzam uma vez, mas depois levam a caminhos distantes. No dia seguinte, acordei assustado com o despertador e quase perdi a hora.