Por que torcemos?

22 de agosto de 2022 2 Por Leandro Marçal

Quando meu time tomou o gol de empate, deixei a televisão do quarto falando sozinha, desci as escadas e fui lavar louça. “Não é possível outro vexame num clássico”, eu me indignava. “Pensando bem, é mais que possível, é previsível! Outro desgosto desse bando de vagabundos, imagina amanhã os caras me enchendo o saco no trabalho”, eu martelava.

Entre a espuma tirando gordura dos garfos e o verde da esponja coçando o fundo dos pratos, me senti candidatíssimo ao Oscar de Melhor Ator pelo papel de torcedor blasé, desinteressado com o rumo das três cores que pintam meu coração.

“Por que ainda torço pra essa desgraça? Por que ainda me estresso com jogo?”, me questionava sem encontrar respostas. Sempre arrogante, o lado racional trazia à mente as imagens das mazelas da bola. Hipocrisias das torcidas, apego ao atraso, papos furados de todos os tipos em todos os tempos. E os cartolas? Sempre envolvidos em picaretagens, fazendo bobagens e falando groselhas para beber na fonte do poder.

Preços de ingressos subindo a montanha-russa, caça-cliques movimentando não-assuntos nos portais supostamente especializados, elencos desinteressados, boleiros arrogantes, gente escrota tentando escrotizar o futebol. Qual o sentido de dedicar energia a esse circo sem pão? Por quê? Para quê? Melhor deixar de lado e ter uma vida mais saudável.

Terminei de lavar a louça. Para me poupar de ver o fim do jogo, resolvi enxugar prato a prato, copo a copo, talher a talher. Daria tempo de subir as escadas e saber apenas o resultado final, sem sofrimento com meu time, tão sofrido nos últimos anos. “É bem capaz desses caras desempatarem só porque tô aqui, longe da tevê”, cogitei mentalmente, sem compromisso com a realidade.

Meu lado racional, excessivamente racional, se escondeu num canto escuro da mente quando passou um filme por minha cabeça: em cada jogo, uma história; em cada vitória, uns bons sorrisos; em cada derrota, o caráter se formando. Em cada ida ao estádio, eu entendia porque torço por esse time, de um jeito que não há texto capaz de descrever com precisão.

Minha sobrinha gritando gol quando nem sempre saiu um gol, o amor pela História porque o futebol é feito de histórias, a emoção de sair da fila após anos sem ganhar no par ou ímpar. Há pessoas que gostam de futebol, existem fanáticos que amam futebol. Jogo num time que vive o futebol. Ele nos atravessa todos os dias, em todos os cantos e a todo momento. Quem não entende o futebol não entende o Brasil. E nem falo de táticas, formações, escalações, transferências e resultados.

Falo de alma, do povo, da alma de um povo. O futebol nunca será deles porque nós somos o futebol. Não sei responder por que torcemos. Para mim, também é impossível explicar por que respiramos, por que vivemos, por que amamos. São perguntas sem sentido porque a resposta só pode ser sentida.

Subi as escadas, voltei para a frente da televisão. E meu time perdeu mais uma, como era de se esperar.