Pessoas e empresas

30 de maio de 2022 2 Por Leandro Marçal

Meu amigo foi demitido há pouco menos de um mês. Duas semanas antes, eu também tinha sido vítima de um suposto corte de custos do mundo corporativo. Expressei minha solidariedade ao Cabeludo. Dias depois, soube que ele tinha questionado uns conhecidos métodos questionáveis da chefia. Cobrou posicionamentos sobre arbitrariedades na frente dos colegas, sem medo de fazer o certo. Manter a conduta ética lhe custou o emprego.

“Manda quem pode, obedece quem tem juízo”, diziam os antigos, repetem uns mais novos. Típico ditado ditatorial. Ter personalidade forte e seguir princípios é o certo a ser feito, mas não é fácil. E esse dito popular cumpre um papel de grande formador de cordeirinhos. Trabalhei um tempo com o Cabeludo e conheci colegas cheios de opiniões fortes nas redes sociais. Xingam cretinos, condenam absurdos, demonstram politização. Gostam de se posicionar, mas quando a panela de pressão estoura, dão desculpas para não ajudar na limpeza da cozinha.

Outro amigo, o Jacques trabalhava num ambiente mais que tóxico, com uma chefia pior que tóxica. Demitido sumariamente, colocou a velha firma na justiça. E quase caiu para trás quando viu a Desbocada como testemunha a favor do patronato. Logo ela, que dizia não ter papas na língua e esculhambava a chefia, que dizia ser sua amiga fiel, que dividia cervejas regadas a risos depois do expediente.

Confesso uma fraqueza: nos momentos de medo-quase-pânico, eu travo. Mal consigo falar, andar, expressar reações. Não sei como reagiria durante o sincericídio do Cabeludo no ambiente de trabalho. Mas posso garantir que não me posicionaria contra sua denúncia, apontando o dedo na cara do absurdo. Talvez eu não fosse tão contundente quanto ele? Possivelmente, mas a omissão com fins políticos nunca foi o meu forte. E, bem, seria preciso uma ameaça à minha vida ou de algum familiar para que eu testemunhasse a favor de cretinos. Cretinos acima de mim na hierarquia corporativa, cretinos com fama de cretinos. Entendo a decepção do Jacques.

Na minha trincheira estão pessoas, nunca empresas. Pessoas têm carne e osso. Empresas são abstrações criadas por nós, pessoas. Pessoas são mais que um RG e um CPF. Empresas prezam pelo CNPJ e, se for preciso, abrem mão de pessoas, mesmo as melhores. Antes de entrar nas empresas, somos pessoas. Bem antes de abrir empresas, somos pessoas. Nascemos pessoas. Não existem empresas sem pessoas, existem pessoas que pisam em outras pessoas para agradar empresas, controladas por pessoas. São escolhas. De pessoas, com seus valores e princípios. Questionáveis, passíveis de discussão, contraditórios. Empresas também têm valores: ao lado da missão e da visão, compõem um trio que demonstra quais são as estratégias para ter uma boa relação com pessoas, vistas como público-alvo, como uma abstração.

Me identifico com pessoas. Talvez por isso, estou bem longe do sucesso apregoado por empresas e empresários. Que nem sempre sabem lidar com pessoas.