Pedrinhas miudinhas

18 de fevereiro de 2021 0 Por Leandro Marçal

Senti um incômodo durante o dia. Colegas do escritório, familiares, amigos do WhatsApp, o porteiro do prédio. Todos me perguntaram se estava tudo bem e eu disfarçava. Imagino um semblante de agonia em minha cara. Infelizmente, o ser humano é incapaz de olhar para si próprio sem filtros e intermediários.

Há alguns meses, o médico me alertou para pequenos cristais nos rins, além de uma e outra pedra. Nada grave. Com bastante líquido e o famigerado chá de cascas de melancia, receita da minha mãe, poderia melhorar aos poucos. Sem urinar decentemente durante o dia, a poucos minutos do fim do expediente, percebi o congestionamento na uretra e expeli uma pedra do tamanho de uma semente de tomate. Fim de sofrimento.

Fiz um sacrifício e guardei o cálculo da aflição num potinho, para levá-lo ao médico na consulta de retorno, daqui a seis meses. Enquanto o encarava, podia ouvir Maria Bethânia cantando o clássico Pedrinha Miudinha, talvez pelo impacto da sua live de pandemia.  

Como pode uma pedrinha miudinha derrubar um homem de 1,81m de altura? Encarando o potinho, lembrei que todos os coronavírus do mundo cabem numa latinha de refrigerante. Volta e meia, surgem pequenas massas parasitárias dispostas a perturbar nossa sanidade.

Se pudermos nos desprender da raiva e da tristeza, revivendo a racionalidade, conseguimos colocá-las dentro de um potinho ou de uma latinha de refrigerante e dizer em voz alta: deixa pra lá, é só outra pedrinha miudinha. Mas no cotidiano, elas vão nos comendo por dentro, como a dor no rim que faz chorar, a ponto de levar muitas pessoas a tratamentos traumáticos, chás alternativos e remédios causadores de dependência química.

Picuinhas inúteis para alimentar uma frágil autodefesa. Demonstrações de superioridade aos demais. Ciúme excessivo. Apego ao dinheiro. A cargos. A bens materiais. Ao poder. Soberba. Vaidade. Zelo por falsas imagens. Medo do julgamento alheio. Julgamento da vida alheia. Exaltação de inutilidades. São muitas, incontáveis essas pedrinhas miudinhas do cotidiano.

Somente respirando bem fundo conseguimos expelir cada uma delas. Pode ser necessário tomar umas pancadas para quebrá-las, transformando-as em pequenos pedaços e facilitando o expurgo. As pedrinhas nos fazem chorar de dor, física e emocional, chegando a causar sangramentos antes de ir embora. E nem adianta ignorá-las, deixar para depois, fingir que não existem. As dores voltam sem ser convidadas. Mas podem ser tratadas.

Na volta para casa, o potinho seguia guardado na mochila. Olhando o movimento das ruas antes de atravessá-las, dei de cara com o pôr do sol depois de um dia quente. Respirei fundo e por alguns segundos senti o vento no rosto. Um fim de tarde pode ser a cura para pedrinhas miudinhas.