Para que servem as praças?
Na província onde moro, o noticiário parece obra de ficção. No mês passado, autoridades anunciaram que a Nova Rodoviária ‒ com iniciais maiúsculas! ‒ será construída numa praça. Pode parecer estranho ao leitor desavisado e à leitora desacostumada. Não é lenda folclórica, é verdade: árvores altíssimas, bancos e o espaço público rodeado por ruas estreitas e casas antigas darão lugar aos ônibus indo e vindo ao som imaginário de “Mande notícias do mundo de lá / Diz quem fica”. Daria uma comédia.
Morar numa suposta cidade tão caricatural é ótimo porque a inspiração para escrever histórias acontece nas ruas, nos gabinetes, no dia a dia. Semanas atrás, por exemplo, fui a um churrasco em São Paulo. Na capenga Velha Rodoviária ‒ como bom munícipe, uso as iniciais maiúsculas! ‒, improvisada onde começaram a construir um teatro, a movimentação interna me alertou sobre a necessidade matinal de produzir conteúdo. Chegando ao banheiro, não havia portas nas cabines, então precisei me segurar, me contorcer e apelar à apertada cabine do ônibus. Daria um conto.
Na província onde moro, até o ar parece estranho. Não quero fugir do assunto rodoviário, então tome cuidado para não se perder: quando comecei a trabalhar, os ônibus saíam de um espaço até confortável, mas a prefeitura foi despejada por atraso nos aluguéis; depois, deram um jeitinho para infelizes viajantes locais se acomodarem dentro de outro mercado, o municipal; daí, rolou a mudança para o tal ex-quase-teatro. E na semana passada, inauguraram o novo Posto Rodoviário ‒ também com iniciais maiúsculas! ‒ pertinho de casa. Também improvisado, claro, no lugar da antiga e única faculdade da província. É uma instalação provisória, dizem. Daria uma novela.
Uma praça pode ser definida como “lugar público e espaçoso, livre de edificações, que propicia convivência e recreação para seus usuários”. Há pouco mais de dois anos, durante a campanha eleitoral, essas raridades eram vistas como lugar de diálogo com votantes da cidade. O tempo passa, o tempo voa e as ideias mudam, os interesses também. Há duas semanas, aconteceu até uma audiência pública e autoridades, sempre as autoridades, se pronunciaram nas redes sociais para defender a ideia genial da rodoviária definitiva na futura ex-praça. Daria uma ópera.
Considerando certa mentalidade utilitária, até faz sentido. Se uma praça não gera lucros ou frases motivacionais, talvez seja enxergada como algo sem serventia. Esse excesso de asfalto e ausência de árvores fala muito sobre nosso constante flerte com o abismo, fala muito sobre como e para quem a cidade é feita. A cidade não, a província. Daria uma tese acadêmica.
Semana passada, levei minha sobrinha para passear na praça e brincar ao ar livre enquanto é tempo. Dará bons momentos.
Praça é para quem fica – vendo o vento sacudir as folhas altas da árvore,o movimento das sombras, os pássaros que resistem, as flores sem perfumes, as conversas entrecortadas, as janelas fechadas, as portas abertas, os haicaístas de plantão, os poetas que não sabem que são, as crianças ralando os joelhos, os velhos contando novas histórias, o sol se fazendo de difícil entre as nuvens, a cidade pedindo um respiro, o jovem casal se comprometendo e a vida sendo impressa no piso, cada vez mais gasto – e não para quem passa.