Para que servem as praças?

8 de maio de 2023 1 Por Leandro Marçal

Na província onde moro, o noticiário parece obra de ficção. No mês passado, autoridades anunciaram que a Nova Rodoviária ‒ com iniciais maiúsculas! ‒ será construída numa praça. Pode parecer estranho ao leitor desavisado e à leitora desacostumada. Não é lenda folclórica, é verdade: árvores altíssimas, bancos e o espaço público rodeado por ruas estreitas e casas antigas darão lugar aos ônibus indo e vindo ao som imaginário de “Mande notícias do mundo de lá / Diz quem fica”. Daria uma comédia.

Morar numa suposta cidade tão caricatural é ótimo porque a inspiração para escrever histórias acontece nas ruas, nos gabinetes, no dia a dia. Semanas atrás, por exemplo, fui a um churrasco em São Paulo. Na capenga Velha Rodoviária ‒ como bom munícipe, uso as iniciais maiúsculas! ‒, improvisada onde começaram a construir um teatro, a movimentação interna me alertou sobre a necessidade matinal de produzir conteúdo. Chegando ao banheiro, não havia portas nas cabines, então precisei me segurar, me contorcer e apelar à apertada cabine do ônibus. Daria um conto.

Na província onde moro, até o ar parece estranho. Não quero fugir do assunto rodoviário, então tome cuidado para não se perder: quando comecei a trabalhar, os ônibus saíam de um espaço até confortável, mas a prefeitura foi despejada por atraso nos aluguéis; depois, deram um jeitinho para infelizes viajantes locais se acomodarem dentro de outro mercado, o municipal; daí, rolou a mudança para o tal ex-quase-teatro. E na semana passada, inauguraram o novo Posto Rodoviário ‒ também com iniciais maiúsculas! ‒ pertinho de casa. Também improvisado, claro, no lugar da antiga e única faculdade da província. É uma instalação provisória, dizem. Daria uma novela.

Uma praça pode ser definida como “lugar público e espaçoso, livre de edificações, que propicia convivência e recreação para seus usuários”. Há pouco mais de dois anos, durante a campanha eleitoral, essas raridades eram vistas como lugar de diálogo com votantes da cidade. O tempo passa, o tempo voa e as ideias mudam, os interesses também. Há duas semanas, aconteceu até uma audiência pública e autoridades, sempre as autoridades, se pronunciaram nas redes sociais para defender a ideia genial da rodoviária definitiva na futura ex-praça. Daria uma ópera.

Considerando certa mentalidade utilitária, até faz sentido. Se uma praça não gera lucros ou frases motivacionais, talvez seja enxergada como algo sem serventia. Esse excesso de asfalto e ausência de árvores fala muito sobre nosso constante flerte com o abismo, fala muito sobre como e para quem a cidade é feita. A cidade não, a província. Daria uma tese acadêmica.

Semana passada, levei minha sobrinha para passear na praça e brincar ao ar livre enquanto é tempo. Dará bons momentos.