Paçocas

31 de outubro de 2022 2 Por Leandro Marçal

“Quanto é paçoca aí?”, perguntávamos uns aos outros na escola, com aquela malícia juvenil dos trocadilhos infames, esperando um otário falar o preço e ser zoado por toda a classe. “Hmmm, então ‘pra socar aí’ é só cinquenta centavos?”, era uma das frases antes dos risos e dedos apontados, concluindo a piada de uma quinta série descobrindo o mundo.

Nunca saímos da quinta série e descobrir o mundo é uma lição de casa sem fim. Deve ser por isso que nunca larguei os trocadilhos infames, que me exigem sagacidade, raciocínio rápido, além do desprendimento por ser ridículo. E nem deixei para trás as paçocas, um doce de amendoim que no meu irrelevante pódio fica à frente até do chocolate, essa quase unanimidade entre os viciados em açúcar.

Talvez fosse o caso de passar uns tempos dentro da clínica Viciados em Paçocas Anônimos. Participaria de reuniões num círculo com relatos sobre relações obsessivas e patológicas com a iguaria em formato de rolha, ou quadrada, ou num pote redondo e de plástico, ou avulsa em pequeninas embalagens de cor amarela, sei lá eu porque a insistência nessa cor amarela.

“Boa noite. Meu nome é Leandro Marçal e estou há dois meses limpo”, saudações me interromperiam. “Eu dava desculpas pra ir no mercado, passava por aquele corredor e voltava com dois, três potes de paçocas. Me irritava no trabalho só pra comer tudo de uma vez, igual um bicho faminto”, veria comoção nos olhares de quem entende o sofrimento nessa compulsão. “Eu dirigia bem devagar e cagava pras buzinas, só pra parar no sinal vermelho e comprar paçocas. Nem era pra ajudar o rapaz, era pra sustentar o meu vício. Hoje eu não vou comer paçocas, só por hoje”, e choraria com os aplausos reconhecendo tamanho esforço.

Se houvesse um teste cego, eu certamente poderia identificar os diferentes fabricantes, dando a maior nota para as paçocas caseiras de um sítio do interior de São Paulo. São mais saborosas e por isso acabam mais rápido. É impossível comer uma só e, não me orgulho em admitir isso, minha sobrinha de dois anos ‒ tão inocente do mundo, tão antes da quinta série ‒ dá indícios fortes de também ser adicta.

Semana passada, voltando do curso, uma voz estranha interrompeu minha leitura no VLT. Era um ambulante, vendendo (adivinha?) paçocas. Como típico ser urbano, raramente saio de casa com dinheiro físico, essa coisa ultrapassada. E ele não aceitava cartão de débito, e ele não tinha PIX. Por pouco não tive outra recaída, por muito pouco não tive que recomeçar o tratamento do zero.

Voltei para casa meio frustrado, meio aliviado. Comi umas bolachas doces, e amanteigadas, e guardadas naquele pote de alumínio, e mais caras porque são boas demais, e que eu não considero um gasto, e que eu enxergo como um investimento. Dormi bem e não tive pesadelos.