O otimismo foi comprar um cigarro

15 de abril de 2021 1 Por Leandro Marçal

Como os piores pais, o otimismo nunca se interessava pelas reuniões do colégio, nem conferia o caderno com as lições de casa, tampouco se interessava em ser presente no dia a dia. Quando muito, aparecia de tempos em tempos, fazendo cobranças descabidas. Como os piores pais, desses que só colocam filhos no mundo e reclamam de “pagar pensão pra minha ex”, durante anos o otimismo nos culpou pelos dias ruins.

Se as coisas não iam bem, a culpa era dos pensamentos negativos. Se a vida melhorava um bocado, só um bocadinho, tentavam nos provar que bastava um pouquinho mais de otimismo para chegarmos ao topo, mesmo sem saber como tanta gente dividiria esse espaço estreito.

O jeito foi seguir em frente. Nem todo filho de pai cretino entra no crime organizado culpando traumas na criação. Nem todo pessimista vive triste e chorando pelos cantos. A maioria tem uma visão crua da realidade, sem enfeitá-la feito palestra motivacional.

Mas até houve um tempo em que o otimismo se fez presente. Parecia ter voltado para ficar de vez. Como um pai arrependido, bateu à porta de casa com mala, cuia e cara de pau. Passou a fazer sua parte: lavava as louças, recolhia o lixo, dividia as tarefas, ia ao supermercado, levava e buscava as crianças no colégio. Novos tempos. Viu como ser otimista é o melhor caminho?

Passou o tempo e o otimismo deu uns vacilos. Normal, ninguém é perfeito, não é mesmo? Ficou mais tempo no bar, se atrasou no trabalho, levantou a voz para a esposa. Pedia sempre uma nova chance e acusava de insensibilidade quem não depositasse nele o voto de confiança.

Até que ergueu a mão a primeira vez. E a segunda. E a terceira. No fundo, o otimismo só voltou a ser quem sempre foi, um inútil parasita. E todo mundo sabia, mesmo quem tentou lhe ajudar. Ninguém engana o tempo todo. Sua verdadeira personalidade podia se esconder, ficar oculta embaixo do tapete, guardada atrás do armário. Mas uma hora, a casa cai.

Num belo dia, depois de brigas e cobranças, o otimismo resolveu mudar. Não de comportamento. Irritado, foi à padaria comprar um cigarro. Não voltou, porque nem fumante era.

Nos primeiros dias, a preocupação. Perguntas para os passantes, o padeiro, o caixa, a moça embrulhando pão, cortando mortadela, presunto e muçarela naquela máquina bonita. Na banca de jornal ao lado, o atento bicheiro foi claro: sim, o otimismo veio aqui, jogou a milhar do burro na cabeça. Ultimamente, tem sido comum apostar no burro.

Depois de um tempo, o otimismo deixou de fazer falta. Só os caçulas, mais inocentes, acreditavam nesse pai desnaturado. Estamos órfãos de otimismo.