O Idiota Sem Máscara

5 de maio de 2021 1 Por Leandro Marçal

Essa espécie ainda não foi devidamente catalogada pela taxionomia, ciência dedicada à classificação e categorização dos seres vivos. Mas, desde o ano passado, observadores mais atentos reparam na presença do animal nocivo e selvagem pelas cidades brasileiras.

Semanas atrás, fui doar sangue. O prédio é bem afastado do restante do hospital, garantindo maior segurança aos homens e mulheres de boa vontade, preocupados com o baixo estoque em tempos de pandemia. Depois de furar o meu braço e despejar quase meio litro vermelho numa bolsa, só pensava em comer o desejado lanche. Sozinho naquela sala, bati o sanduíche na minha máscara. Esqueci de tirá-la e senti medo, mesmo sem ninguém ao lado.

Quando preciso sair de casa, sinto pânico de passar poucos segundos sem a proteção sobre a face. Em compensação, me espanto ao me deparar com seres da espécie não catalogada. O Idiota Sem Máscara acredita ser imortal. Seu cérebro atrofiado tem convicção da covid-19 ser doença para os outros, somente para os outros. “Aqui não, aqui nunca”, ele “pensa”.

Volta e meia, esse animal dá boas gargalhadas e aponta o dedo para quem se protege nas ruas, como se flagrasse um homem pelado andando para lá e para cá sem notar a roupa rasgada. ­Para o Idiota Sem Máscara, é uma piada muito engraçada ver gente se protegendo contra uma doença que matou mais de 400 mil conterrâneos. Um humor desbotado, suponho.

O Idiota Sem Máscara reclama do desconforto causado pelo tecido na cara, acusa a coitada de dificultar a respiração e julga ridícula essa obrigação de baixa qualidade estética nos ambientes públicos. Como bom cidadão contemporâneo em tempos digitais, o Idiota Sem Máscara atualiza seus perfis em redes sociais, onde faz questão de expor fotos e vídeos em festas, churrascos, jogos de futebol, bingos clandestinos, baladas, puteiros e outros bundalelês. Como se não houvesse amanhã. E para muitos Idiotas Sem Máscara e impotentes familiares de Idiotas Sem Máscara, o amanhã não chega numa UTI lotada.

Em ambientes com pessoas de razoável conhecimento científico e alguma coragem, o Idiota Sem Máscara é caçado feito ratazana, sendo acuado como se fugisse de um cabo de vassoura pronto para lhe abater. Com o aumento desses casos, surgiu uma subespécie: o Idiota Com Máscara No Queixo. Não se engane, são dois animais da mesma espécie, ambos perigosos e nocivos. Especialistas indicam se afastar das criaturas peçonhentas, mesmo custando prejuízos à vida social para quem ainda acredita nisso, além de indesejáveis bloqueios nas redes. Nos meios virtuais, as espécies costumam gritar e encontram outras espécies de idiotas, algumas com altos cargos na política local e nacional.

O Idiota Sem Máscara é uma praga urbana. Se eu precisar sair de casa, o pânico de ter o nariz desprotegido será até um bom sinal de que não fui contaminado pelo vírus da insensatez.

Só os Idiotas insistem no “direito” de não usar máscaras. Aliás, os Cretinos também. Volta e meia, as duas espécies se confundem. Não vai faltar trabalho para a taxionomia.