O fim do ano

16 de dezembro de 2019 0 Por Leandro Marçal

Nunca acreditei em Papai Noel. De pequeno, meus pais avisavam que não dava para comprar isto ou aquilo. A casa da infância não tinha chaminés para nos iludir e meu pai não se dispunha a se vestir de vermelho ou simular uma barba branca com algodão. Talvez por isso, nas festas a fantasia, meu máximo foi vestir uma camisa com as cores da Jamaica para dizer que estava de Bob Marley. Heranças. 

Houve um tempo de tentativas de empolgação nessa época do ano. Para entrar no clima e não ser chato. Pensava na comilança do aniversário de Cristo, combinava bebedeiras depois da ceia com a família, especulava sobre onde meu grupo de amigos passaria a virada. 

Mesmo que desde sempre eu achasse sem sentido ter dores no pescoço por ver uns fogos coloridos e meio infantis pipocando no ar. São sempre iguais. Ainda que já tivesse a noção do tempo como algo abstrato, criado para medir o imensurável, me fazendo descartar todo sentimento de renovação, tentava entrar no clima. 

O tempo passou e a realidade pesou. Nada de balanços sobre o que houve de bom e ruim nos últimos 12 meses, planos para o próximo calendário, expectativas de agradar com presentes, preparo de mensagens de boas festas enviadas poucos segundos após a meia-noite para os contatos mais importantes da agenda, promessas nunca cumpridas, abraços e beijos e ressacas e só voltar para casa pela manhã e a mesma indignação pelos que deixam a praia emporcalhada com lixo e a inveja dos que não dormem em prol do álcool. 

Sinto saudades, mesmo, é de um décimo-terceiro. Vida de escritor falido. Vejo com admiração os que têm disposição nesses dias de correria e empurra-empurra no comércio da cidade. Me incomoda, sim, a vulgarização da alegria e a tentativa constante de me colocar no clima. Mágico, uns dizem. Eu não tenho espírito natalino, há quem reclame. Não mais.

A indiferença com o suposto bom velhinho de vermelho vem de décadas. De vermelho sim, mas longe de ser comunista. Vejo meu extrato bancário e rejeito esse clima de felicidade obrigatória me cobrando e afligindo, junto com outros deprimidos mundo afora. Já não há motivos para me preocupar com quem vai lembrar de mim e da família nesses dias. Está tudo bem como nos outros dias também estará, tirando daqui para pôr ali.

Fico esgotado ao ver textões rasos sobre supostas lições do anos,  cumprimentos de quem nem lembrava que eu estava vivo, perguntas sobre os motivos para preferir a tranquilidade do isolamento, promessas de um mundo melhor e mais otimista, cores de cuecas e calcinhas para melhorar nas finanças, no sexo, no amor, na esperança e em outras ilusões. 

E de nada adianta reclamar. É impossível deter esse clima. Ele nos carrega como a lama escorrendo após o rompimento de uma barragem. Correr é irrelevante. Finjo um sorriso, agradeço e volto à TV, aos livros e ao celular. 

Caminho pelas ruas e vejo comerciantes sugando a alma dos subordinados, gente se acotovelando em filas de caixa, compras de bugigangas desnecessárias fazendo a alegria das financiadoras e dos bancos logo no começo de um ano tão promissor quanto todos os outros. Tudo para entrar no clima. 

E a esperança, e a união, e as luzes coloridas, e as mesmas matérias sobre os shoppings lotados na véspera, e as ruas vazias no dia seguinte, e as projeções de economistas,  e o saldo positivo dos varejistas. E o lucro sobre a esperanças, e o imposto da felicidade, e as taxações sobre grandes crenças, e os descontos por dias melhores. 

Quando me perguntam se gosto dessa época, respondo, em tom pessimista: o pior é saber que mal acaba um ano e já começa outro, sem folga ou pausa. Um atropelo sem fim para os que vão ficando, feito bêbados dançando com gente desconhecida ao fim da festa, enquanto varrem o salão na tentativa de nos expulsar de lá. 

Minha psicóloga diz que eu racionalizo tudo. Pelo visto, até o fim do ano. Os mais próximos dirão que sou chato. E eu desejarei um bom Natal e um 2020 menos tortuoso aos desavisados, gerando um riso amarelo e frases como “você é estranho” ou “você não muda nada”. É verdade, eu não mudo nada.