Miss Simpatia

6 de novembro de 2023 2 Por Leandro Marçal

Desconfio seriamente de quem nunca se indispõe com ninguém. Gente sem tretas no currículo, sem desafetos na biografia. Sempre de bem com todo mundo, vendendo a alma para circular por aí como unanimidade. Gente que não sai do muro para não se queimar, se posicionando ao não se posicionar. Gente do bem, tão legal e tão galera. Gente insossa e perigosa.

Sou chato. Muito chato. Gosto das coisas feitas do jeito certo, sem prejudicar ninguém. Não sou fã do excesso de protagonismo e me canso ao ver a busca por atenção constante. Estou longe de agradar a multidão. Por mim, tudo bem. Esse é o meu pacote completo, uma personalidade complexa, humana, com acertos e erros, desvios e méritos.

Ciente dessa minha imperfeição, fico com os dois pés atrás com os sempre sorridentes, good vibes, vomitando positividade tóxica, julgando quem não vê o copo meio cheio. Questionam o meu pessimismo como se fosse falha de caráter. Se julgam divertidos, agradáveis, populares.

Porque alguns momentos da vida exigem a briga. O grito, a raiva. O ódio, até. Dizer não em voz alta. Peitar, colocar a própria pele em risco. Riscar uma linha no chão e repetir: daqui ninguém passa. Sem tapinhas nas costas e sorrisinhos amarelos. Sem se render às patifarias. Caráter não se vende no supermercado e pede a coragem de apontar o dedo contra cretinos.

Nessas horas, o sempre simpático, o tão do bem, o amigão da galera prefere se omitir. Escolhe colocar panos quentes. Sempre com um sorriso no rosto, mesmo que falso. Sempre com uma mensagem positiva e a certeza de que tudo vai ficar bem, mesmo que mentindo. Fala, fala, fala. E não fala nada. Cospe clichês inúteis para manter a imagem intacta na rasa avaliação dos otários.

Volta e meia, sou alertado por supostos exageros. Em momentos agudos, meus questionamentos já me renderam a condenação por ser muito agressivo: tu é burro?, tu é cego?, sabe ler?, tu não tem vergonha de ser tão filho da puta?

Talvez o sangue quente já tenha me levado ao excesso. Acontece. Quando fiz essas perguntas aos eternos simpáticos, não me senti mal ou arrependido. Sou incapaz de agradar candidatos a Miss Simpatia. Longe de mim ser postulante ao prêmio “personalidade forte do ano” ou ao “sem papas na língua da temporada”. Sou bem na minha, quietão. Tento ser educado e respeitoso. De vez em quando eu erro, mas quem não erra?

E me sinto muito confortável quando fico entre os últimos colocados das premiações para abracinhos protocolares, opiniões sem sal nem açúcar, condutas muristas, olhares vazios para evitar conflitos necessários. Essa não é a minha vocação.