Sem papas na língua

29 de janeiro de 2024 0 Por Leandro Marçal

Sinto um frio na barriga quando ouço a voz orgulhosa de quem se intitula sem papas na língua. Tenho um mau pressentimento se alguém diz ter a personalidade forte. Me arrepio se me avisam educadamente que aquela pessoa fala o que pensa, sem filtros, é desse jeitinho mesmo e logo menos vou me acostumar.

Soa o alerta, treme a bandeira vermelha, acende-se a luz de emergência sobre a minha cabeça. São gigantes as chances dessas frases feitas serem eufemismos para justificar grosseria, falta de educação, arrogância e estupidez no trato diário. Invariavelmente, essa gente sem papas na língua e de personalidade forte não aceita ser tratada do mesmo jeito que lida com outros seres humanos.

Longe de mim ser o Miss Simpatia. Que atire a primeira pedra quem nunca levantou a voz ou teve um dia ruim. Sou humano. Mas não cai a língua (nem o braço, nem a perna, nem aquilo lá) fazer um esforço razoável pelo mínimo de educação com quem não tem nada a ver com os meus problemas.

Não dá para esquecer aquela velha história de pensar antes de falar, de pensar antes de agir. A essa altura da vida, ainda me espanto ao cruzar com gente que faz questão de ser desagradável, gente que faz questão de desagregar, gente que não tenta desfazer a má fama de espalha-rodinha. Quando conheço alguém assim, me sinto um vidente e prevejo críticas às outras pessoas, aos parentes, aos antigos amigos e aos ex-amores. E ao planeta, que não se molda àquele jeitinho especial e insiste em girar ao redor do sol.

Nesses tempos de cuidados com pessoas e relacionamentos tóxicos, faz bem olhar para dentro de si e identificar a própria toxicidade. Um exercício nada simples, mas muito necessário.

Desconfio demais de quem está sempre de bem com a vida e com tudo e com todos, mas também fico com os dois pés atrás ao conhecer acumuladores de desafetos. Porque todo mundo estava errado, todo mundo é cheio das frescuras, ninguém teve o talento de entender os mistérios e segredos dessa personalidade tão forte e indispensável e única. Me espanta ver “esse jeitinho” estúpido dito como uma qualidade, um diferencial, uma característica positiva.

Se me acusam de cronicamente mal-humorado, não nego nem confirmo. Mas tento não descontar as minhas frustrações no próximo, em quem não tem nada a ver com as minhas neuroses. Nem sempre consigo. Sou humano, já disse. Falta um pouco de humanidade nessa gente sem papas na língua, de personalidade forte, ausente de filtros, capaz de falar o que pensa sem pensar antes de falar. Faltam humanidade e umas boas sessões de psicoterapia.