Memórias da Fórmula 1

12 de setembro de 2020 0 Por Leandro Marçal

Esse ano, decidi voltar a assistir à Fórmula 1. Não que eu estivesse alheio, sempre me mantive bem-informado pelo noticiário esportivo e sites especializados. Mas nessa década (de 2011 a 2020, é sempre bom lembrar!) acompanhei uma corrida ou outra, em geral as decisivas, sem maior preocupação em ligar a tevê nos GPs, semana a semana. O culpado por eu voltar a dedicar manhãs de domingo às corridas se chama Lewis Carl Davidson Hamilton.

Se em 2008 eu tivesse uma visão do futuro e lesse o parágrafo acima, provavelmente ficaria muito bravo comigo mesmo e não entenderia como eu poderia torcer para o cara que tirou do Felipe Massa aquele Mundial. Do futuro, eu lembraria que a Ferrari foi a maior responsável pela frustração na última volta do “cadê o Glock?” no GP Brasil daquele ano. Erraram demais naquela temporada. Em 2008, eu também me surpreenderia por saber que esse mesmo Hamilton igualaria Michael Schumacher como o maior vencedor de todos os tempos na categoria. Também precisaria segurar o queixo caído ao ver a melancólica Ferrari no fim deste triste 2020. Como previsões do futuro são apenas um bom jeito de ganhar dinheiro e enganar otários, não vi nada disso há 12 anos.

Minha fama de pé frio parece fazer sentido. É só eu voltar a assistir às corridas, dessa vez torcendo para a Mercedes, que a Globo não renova o contrato dos direitos de transmissão e eu passo a temer por um 2021 de corridas às cegas para os espectadores. Isso foi me despertando nostalgia, me levou aos anos 1990.

Tenho flashes bem vagos do dia em que Ayrton Senna morreu. Minha mãe na cozinha, grávida, eu em frente à tevê falando de um acidente na pista, meu pai no trabalho, pistola da vida porque odiava fazer hora extra em dia de corrida. Ao ser avisado da morte do brasileiro, xingou um piadista até ser acalmado e perceber que era verdade.  

Minha primeira lembrança mais clara não é uma corrida ao vivo. Os mais jovens não viveram o privilégio de ter um videocassete em casa. Mas meu pai programou para gravar numa fita recém-comprada o GP de Suzuka de 1998. Eu tinha sete anos e não me era permitido ficar acordado até de madrugada, então vi a última corrida do ano no domingo de manhã, como de costume. O finlandês Mika Hakkinen disputava o título contra o alemão Michael Schumacher, por quem eu torcia. Mas o carro falhou na largada e ele teve que ir lá para o final da pista. Deu Hakkinen, o pneu do Schumi não aguentou a corrida inteira e ele ficou ali, sentado num muro, lamentando o destino. Aliás, só fala Schumi quem acompanha automobilismo.

No ano seguinte, o alemão quebrou a perna no meio da temporada e quem disputou o título com Hakkinen, campeão outra vez, foi o irlandês Eddie Irvine. Nem precisei procurar na internet para lembrar que Schumi voltou no meio do ano e, pirracento, mostrou que era o melhor da equipe.

E era melhor que Rubens Barrichello também. Não é demérito, não. Schumacher esteve acima de seus contemporâneos entre meados da década de 1990 e a metade dos anos 2000. Não que eu torcesse contra o brasileiro, estava longe disso. Fiquei bem feliz por aquela corrida chuvosa em Hockenheim, a primeira vitória de um brasileiro depois de sete anos, e xinguei todo mundo no “hoje não, hoje não, hoje sim… hoje sim?” da Áustria em 2002. E por mais que desse risadas das piadas no Casseta e Planeta, sempre pensei se a graça só existia pelo resultadismo à brasileira, que contamina o futebol e cobra por mais medalhas nas Olimpíadas, mesmo sem incentivo e estrutura aos atletas.

Na minha cabeça, o Rubinho correndo pela Stewart branca é uma lembrança clara, vejam só. E só os psicopatas não se comoveram com a felicidade genuína e a sambadinha desengonçada depois de cada uma das 11 vitórias. Mas não tinha jeito, o alemão era foda demais. Sinto muito pelo estado de saúde dele, que não poderá entrevistar Hamilton quando igualar os incríveis sete títulos mundiais. Sete, vê se pode? Nos tempos áureos, eu também acompanhava as fartas transmissões das rádios. Odinei Edson na Bandeirantes, seu irmão Oscar Ulisses na Globo, Téo José na Jovem Pan. Eu devo gostar bastante, mesmo, de Fórmula 1.

Deve ter sido lá por 2000 ou 2001 que uma loja de carros aqui da cidade expôs o carro da Ferrari dirigido pelo Schumi na temporada 1996. Fui lá com meu pai dar uma olhada. Num tempo em que nem sonhávamos com câmeras em celulares, uma foto ao lado da relíquia custava 50 reais. Eram tempos duros, não tínhamos essa fortuna.

Trabalhei por cinco anos na Petrobras, na época que a empresa ainda patrocinava a McLaren. Todo ano, na semana do GP Brasil, havia um sorteio para ingressos em bons lugares no autódromo de Interlagos. Eu não acreditava muito que pudesse conseguir. Sou pé frio, mas tentei a sorte em 2012. E 2013. E 2014. E 2015. E saí da empresa em em setembro de 2016. Claro que nunca ganhei nada.

Nunca fui a um autódromo e no tempo que tive um carro, percebi que não sou muito chegado em dirigir. Mas gosto de corridas, não sei o porquê. Tem gente que insiste em dizer que “a Fórmula 1 acabou em 1994 quando o Senna morreu” ou que “corrida de carro é muito chato”. Mau gosto não se discute.

O Fernando Henrique e o Júlio Felipe são os amigos com quem mais converso sobre Fórmula 1. Apesar dos nomes de aristocratas, são gente da gente. Um é tarado por automobilismo, o outro é Ferrarista de carteirinha. Os dois são #TeamHamilton ou Hamilters, como costumam falar.

Essa semana, fiquei bem feliz porque o gigante Everaldo Marques narrará a corrida de domingo na Globo. Ele é ótimo. Também é ótimo acompanhar a história acontecendo. Foi assim com o Schumi. E está sendo ainda melhor ver o Hamilton vencendo e se posicionando. Para mim, já é o maior de todos os tempos na categoria. Talvez, o atleta mais relevante do século.

E espero, sinceramente, que no ano que vem a gente consiga ver numa tevê daqui, seja aberta ou fechada, o britânico fazendo ainda mais história. Quem sabe, assim, eu crie novas memórias para outro texto despretensioso sobre corridas de carros.