Macarrão em Ouro Preto

8 de fevereiro de 2021 1 Por Leandro Marçal

Outra noite, sonhei com o passado. De novo. Meu lado onírico anda desregulado desde o início da pandemia. Tenho sonhos lúcidos dia sim dia não, sonho que estou dormindo, revivo histórias em estranhas viagens no tempo. Não sinto dificuldades para dormir. Não mais.

Pode ser um sinal das incertezas desses longos meses até a vacina. Volta e meia, acordo assustado. Desacompanhado em tempos de isolamento, falo sozinho sobre o que vi de olhos fechados. Lembro fatos e pessoas pelo caminho, volto a dormir no meio da madrugada.

Outra noite, me vi em pé, de camisa regata, longe de casa. Bem longe. Quatro anos atrás, Carnaval, Ouro Preto, Minas Gerais. Paguei caro, e mais caro porque nunca pagaram o “paga o meu que eu pago depois”. Houve um tempo em que eu tive mais amigos, daqueles mui amigos. Volta e meia, me convenciam dessas loucuras, como viajar até Ouro Preto no Carnaval. Outros tempos.

Estávamos em três. Em cinco. Em dez. Em muitos. Perdi as contas. Entre os blocos de dia e as festas à noite, muita cerveja, bebidas, gente. Muita gente, muito tudo. Precisava me alimentar antes de voltar para a república, tomar banho, trocar de roupa, juntar as poucas forças, sair outra vez.

Numa padaria ou bodega, eu comia o melhor macarrão da minha vida. Pessoas andavam de um lado para o outro, pisando em paralelepípedos, ignorando a riqueza histórica da cidade, pensando nas festas e blocos, usando camisas apelidadas de abadá.

Se houver um ranking das minhas comidas prediletas, macarrão pega pódio. Espaguete, é claro. Parafuso é peça mecânica. Macarrão tem que ser espaguete. E no sonho, eu voltava para aquela padaria ou bodega, olhava a aglomeração e voltava a comer. Tive um estranho déjà vu, não percebi que era um sonho, mas me sentia no lugar errado.

Tinha a mesma fome de quatro anos atrás, com vontade de seguir aproveitando, com muito cansaço nas pernas e no fígado. Passei anos sem pensar na estranheza de comer macarrão no pote, em pé, dentro de uma padaria ou bodega. Acordei refletindo sobre o sonho e os tempos passados. Mesmo com tropeços e rompimentos, há experiências inesquecíveis e pessoas marcantes na linha do tempo.

Hoje, comi macarrão no almoço. Na volta para minha mesa do escritório, observei um calendário marcando o Carnaval nos dias 15 e 16. Mas não vai ter Carnaval.

Há uma gente amargurada feliz com a ausência de alegria nas ruas. Nem é felicidade, mas despeito. Na mais brasileira das festas brasileiras, mesmo ficar em casa de pernas para o alto é bom demais. Vivemos tempos de escassez de alegria, de escassez de esperança.

Não vai ter Carnaval. Uma pena. Nem macarrão na padaria ou bodega. Uma pena, uma pena. Vou comprar uma caixa de cervejas para o fim de semana. Preciso tomar cuidado com o alcoolismo, ando bebendo demais para suportar a pandemia. Mal consigo sonhar com o futuro.