Ilha da Magia

6 de maio de 2019 0 Por Leandro Marçal

Buscava uma cerveja no freezer, quando o dono do churrasco fez questão de mudar a playlist. O início, com aqueles gritos de fãs em estado de êxtase, antes do começo das músicas, era conhecido. Eu deveria ter ouvido esse CD muitas vezes para saber de cor as vozes de gente desconhecida. Quando começou uma batucada característica, percebi que passaria os próximos minutos adivinhando as letras do Exaltasamba ao vivo na Ilha da Magia.

Foi lançado no longínquo 2009, quando eu sonhava com uma bolsa de estudos para o curso superior. Juntávamos as poucas moedas para comprar um vinho barato e outras bebidas que não custassem muito de nossos salários mínimos. Uns ganhavam pelo trabalho, outros tinham o privilégio de se pendurar nos pais.

Pisávamos na areia das praias nos shows de graça em pleno verão. E contamos dezenas de shows do Exaltasamba em sua formação mais conhecida, as figuras midiáticas com microfones nas mãos, gente tumultuada à frente do palco e um punhado de canções conhecidas pelos orkuteiros.

Mesmo os amigos roqueiros davam o braço a torcer. Era mais importante ver gente, sinalizar com outras gentes, trocar palavras e outras coisas com tanta gente. Os mais radicais não entendiam como era possível aquelas milhares de pessoas se amontoando nos shows, ainda mais com o perigo de eventos gratuitos. A violência, os arrastões que nunca me aconteceram, essas coisas.

Ninguém do nosso grupo sabia sambar ou dar cinco passos sem tropeçar nas próprias pernas. Sem uma latinha, um copo ou uma garrafa nas mãos, ficaríamos como robôs desengonçados. Cansei de segurar recipientes vazios para não passar vergonha ou colocar a mão no bolso. Pareceria entediado, seria chato.

Casamentos, filhos e pensões eram problemas distantes. Naquela época, podíamos dizer “tão cedo” para quem tivesse nossa idade e já se preocupava com essas coisas de ex-jovens. Não havia dores nos joelhos ou na coluna, tampouco preocupação com um lugar para sentar quando decidíamos sair de casa aos finais de semana.

Houve uma ou outra vez em que carregamos quem bebeu além da conta. Um dia, disse que em um futuro distante íamos nos lembrar daquelas 14 músicas como símbolo de um tempo que não voltaria mais. O grupo se dissolveu em pouco tempo. O Exaltasamba também: para nossa geração, ele nunca mais foi o mesmo. Voltei com a cerveja na mão. Balbuciei as primeiras músicas. O dono do churrasco estranhou, eu parecia culto demais para gostar de pagode.