Idades redondas

16 de março de 2021 0 Por Leandro Marçal

“Teoricamente, sabe-se que a Terra gira, mas de fato não nos apercebemos disso, o chão sobre o qual caminhamos parece não se mexer e vivemos tranquilos. O mesmo ocorre com o Tempo na vida.” – Trecho da monumental saga Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust

Aos 10 (faz tempo!), eu tinha certeza que não viraria a curva da quarta para a quinta série. Sempre fui meio pessimista, mas demorei bons anos para perceber. Tinha medo de mudar de colégio, mas seria inevitável no ano seguinte. Também tinha pouca noção de como a vida funcionava para além da rotina casa-escola-casa. Nunca fui muito de ir para a rua, nem de ter grandes expectativas. Há coisas nossas que mudam com o passar do tempo. Outras, não.

Aos 20 (bons tempos!), minha vida profissional ia bem. Até achava possível ir além da mera sobrevivência. Estudava mais que meus antepassados e gastava uma mixaria com bobagens aos fins de semana. Volta e meia, ouvia notícias sobre ex-colegas de escola casando ou com filhos e dizia: “nossa, tão cedo”. Quando ouvia notícias de mortes precoces e prisões de outros ex-colegas de escola, exclamava: “nossa, que pena!”. A vida era boa e eu sabia. Sabia também que os vinte não eram para sempre. Nunca são.

Agora aos 30 (que tempos!), as décadas não passam mais tão lentamente. Sem drama, o leitor e a leitora me criticam. Não é drama, eu respondo. Minha percepção de tempo parece no auge, mas espero que o auge esteja longe. Já não posso dizer “tão cedo” para casamentos e rebentos da minha geração. Infelizmente, ando exclamando “que pena!” todos os dias e a sobrevivência virou um grande feito diário. Há um milhão de coisas para pensar. Outro milhão de problemas por resolver. Quando me bate a melancolia por não ter feito nada de relevante em três décadas de vida, respiro fundo. Ser grande, seguir planos e preencher carimbos não é tão importante quanto parecia. Vou no meu tempo, escrevendo minha história do jeito que dá. Desde os vinte e poucos, a terapia me ajuda a entender quem sou. Não encontrei uma resposta completa. Nem devo encontrar. E tudo bem. Os trinta chegaram com uma louca vontade de estar vivo, esquecida nos vinte e muitos. Deve ser pelo sentido de urgência em tempos de sobrevivência. Quando paro para pensar no futuro, sinto medo. Muito medo. Nesses momentos, colo os pés no chão, bem firmes, para voltar ao presente. Penso no agora, como se a mente fosse um balão voando pelo céu e eu a amarrasse numa pedra bem firme. Na hora certa, o balão há de voar. No futuro, viverei o futuro. Agora, não.

Aos 40 (opa!), me esforçarei ao máximo para não fazer piadas sobre a idade dos “enta” e me esforçarei ao mínimo para abandonar as piadas ruins. Pensarei mais na saúde, serei ainda mais hipocondríaco. Tentarei deixar claro que a vida não começa aos quarenta, mas a cada despertar.

Aos 50 (procuro me cuidar bem…), possivelmente terei vivido mais do que haverei de viver. Não me preocuparei com a calvície, porque dela desencanei aos vinte e poucos. Espero ter maturidade com ânimo juvenil para rir da cara da existência.

Lá pelos 60 (sonho em ser idoso), quero esbanjar vitalidade e lucidez. Tenho exemplos em casa e no convívio diário, hoje apenas virtual por motivos de pandemia, de que os cuidados não são para evitar a morte, mas melhorar a vida.

Se eu chegar aos 70 (tomara!), começarei a deixar tudo muito bem organizado. Documentos, burocracias, papéis velhos. Mesmo me cuidando, ninguém sabe o dia de amanhã.

Aos 80 (será?), encherei a boca para falar minha idade, o número oito tomará o espaço nos documentos preenchidos. Quando eu era mais novo, diziam ser o mais largo dos algarismos. Deviam ter razão.

Aos 90 (linda idade!), enxergarei beleza em todos os cantos. No barulho do trânsito, nas brigas entre vizinhos, no pôr do sol em dias quentes, na pintura desbotada das paredes da sala. Chegarei à conclusão de ter perdido muito tempo sem enxergar a beleza nas banalidades do cotidiano.

Aos 100 (duvido muito, mas vai que…), olharei muito para trás. Sem pensar no futuro, no meu futuro. A vida terá sido boa algumas vezes. Outras não. Projetar o destino a cada idade não fará mais sentido, nunca fez. As coisas são como elas são.