Fechando o jogo

16 de novembro de 2021 0 Por Leandro Marçal

Quando entrei num emprego público, meu melhor amigo disse que eu tinha fechado o jogo. Nunca tive videogames caros, nunca fui viciado em eletrônicos, mas entendi seu ponto. Aos 21 anos, ser concursado era uma conquista muito além dos sonhos de um suburbano desconfiado.

Não tive disposição para discordar dele naquela época, nem de justificar por que, anos depois, larguei o emprego estável para recomeçar tudo e ganhar a vida com a escrita. Foi como se no meio da fase eu desconectasse os cabos da televisão sem salvar nada no cartão de memória. Depois de algum tempo, passei por um game over brutal e precisei resetar mais uma vez, num console menos sofisticado. Coisas da vida.

Minha indisposição pelas explicações se dava por uma crença bem pessoal. Para mim, o tempo todo somos levados a imaginar que algum dia será possível fechar o jogo. Mas ele sempre recomeça, mesmo depois da nossa última fase.

O cotidiano não me deixa mentir. Um bom exemplo é o jeito estranho de correr contra o tempo para maratonar séries, ou mesmo o aumento na velocidade de reprodução para consumir podcasts e vídeos no YouTube o mais rapidamente possível. Queremos fechar esses jogos com pressa.

Sempre estranhei meus amigos viciados em videogames. Para eles, nunca teve graça curtir fase a fase, era preciso virar noites inteiras até esgotar o jogo para depois descartá-lo. Como sempre preferi disputar partidas de futebol virtual, fazia ainda menos sentido vê-los agoniados com pelejas bem disputadas, já que o objetivo era conhecer todos os macetes secretos para massacrar o adversário sem dó.

Um estilo de vida esquisito, como se até nos jogos eletrônicos precisássemos ser meros consumidores. Ao colocar o cartucho, CD ou outro dispositivo no aparelhinho vendedor de ilusões, precisam fazê-lo suar sangue, escorrendo sua última gota de suor e partindo para o próximo. Como engolir sem mastigar.

Olhe ao redor: a todo instante, parecemos interessados em fechar o jogo. Só, nada mais. No trânsito, no restaurante, nos relacionamentos, na família. Nos meus 30 anos mais ou menos vividos, canso de encontrar colegas de geração frustrados porque a vida ainda não se resolveu. É um player, como se diz por aí, pedindo dicas para superar os chefões da vida adulta. Bobagem.

Se contabilizarmos todas as nossas fases com precisão de planilhas, mais perdemos que ganhamos. Quando precisamos dar reset, nos intimidamos um pouco, mesmo sem ter para onde fugir. Fechar o jogo rapidamente e buscar outro game pode ser sinal de eficiência, vício e conhecimento dos códigos para destravar portas, mas não vejo muita graça. Prefiro dar risada e passar raiva nas derrotas, mesmo repetindo a mesma fase dez, quinze ou mais vezes.

O jogo sempre continua e fechamos ciclos, no máximo. Mudamos de fase, perdendo ou ganhando. E não tem como pausar.