Eufemismos

24 de março de 2021 0 Por Leandro Marçal

Segundo o Aurélio, eufemismo é a “maneira pela qual se suavizam expressões tristes ou desagradáveis empregando outras mais suaves e delicadas; é um recurso de linguagem que consiste no emprego de expressões adequadas, a fim de atenuar ou mesmo evitar termos rudes ou desagradáveis”.

Estou de saco cheio de eufemismos e não é de hoje. Não me permito esquecer as pequenas misérias cotidianas com distorções na linguagem utilizada. Não caio mais nessa. Chamam o empregado de colaborador, o chefe do setor de líder, o rapaz da xerox de operador de fotocopiadora.

O mundo corporativo, também conhecido como mercado de trabalho, é campeão nisso. Quando um funcionário é de confiança dos superiores, sabemos que tem costas quentes, melhor não se desentender com o fulano. Se estão reorganizando a empresa pensando num futuro cheio de desafios, sinal claro de demissões à vista. Difícil de trabalhar é o eufemismo para classificar gente insuportável de se conviver. Não temos horário fixo: sem ganhar horas extras, infelizes levam para casa tarefas impossíveis de terminar no expediente. Nem é preciso falar de ordens absurdas sem chances de contestação camufladas de sugestões. Tem também o salário emocional disfarçando um pagamento miserável, mas com mesa de sinuca e videogame no escritório.

Confesso usar encantador de serpentes para não magoar corações enganados por esses charlatães. O grupo é grande: pastores midiáticos, astrólogos, videntes, hipnólogos, coaches, consultores de assuntos aleatórios, entusiastas de PNL, especialistas em leitura corporal, disseminadores de vários não-sei-o-quê-quântico. A concorrência é forte.  

Existem eufemismos insuportáveis. Enrolado para se referir ao caloteiro, golpista, causador de prejuízo financeiro e afetivo para a vida alheia. Impossível não conhecer quem se encaixe nesse perfil indesejado, digno de toda distância do mundo.

Os termos vão se atualizando, mesmo em tempos de pandemia. Período de aprendizado no lugar de espalhamento descontrolado de uma doença contagiosa e mortal para centenas de milhares é um que eu odeio com todas as forças. Tem também o seguimos todos os protocolos atenuando o migué com a medição de temperatura para fingir que está tudo normal, fazendo vista grossa para aglomerações e ausência de máscaras se isso garantir mais vendas.

A essa altura do campeonato, bolsonarista é o eufemismo para classificar gente sem caráter apoiando um filho da puta disposto a tripudiar de mortes em prol da seita macabra, cruel, gozando à custa de cadáveres. Nesse caso, não são passadores de pano, mas cúmplices indesculpáveis da tragédia de nossos dias.

Mesmo atual presidente virou recurso de linguagem para suavizar genocida. Melhor palavra não há. E pessoa sem máscara? Gentil eufemismo para arrombado e irresponsável do caralho. Não posso esquecer de antivacina para cretino, babaca, desgraçado, burro, imbecil de merda. A língua portuguesa é riquíssima, ao contrário do cérebro dessa gente.

Os últimos anos me fizeram intolerante a eufemismos. O uso das palavras certas, com precisão, dificulta a manipulação da linguagem e das massas. As palavras, escritas ou faladas, nunca voltam vazias. 

Fontes interessantes: