Devotos de São Tomé

15 de abril de 2020 1 Por Leandro Marçal

Está lá, na Bíblia: quando avisado por seus colegas apóstolos da ressurreição de Cristo, Tomé não acreditou. Apenas tocando nas chagas teria a certeza do Cristo ressuscitado. Não à toa, é símbolo do “ver para crer” em momentos de dúvida, enquanto a fé sem pedir provas é vista com bons olhos pelos religiosos.

De formação católica, nunca me deparei com devotos de São Tomé. Já vi, sim, pessoas usando camisas, pingentes e outros adereços expressando a devoção a santos como Expedito, Judas Tadeu, Antônio, Longuinho, Sebastião, além de Nossa Senhora em suas diversas aparições, seja em Fátima, Aparecida ou Guadalupe.

Mas nada de Tomé. Quando citado, é pelo mau exemplo. São Tomé, aquele que não acreditou no retorno do Messias. Falo do Messias histórico, estudado. Pouco importa se você acredita ou não. É que os genéricos e homônimos serão breves na História.

Precisei recorrer ao Google para saber que São Tomé é o padroeiro dos arquitetos e construtores. Só ao chegar aqui, no quarto parágrafo, lembro que ele dá nome a uma pequena ilha na costa africana.

Mais de dois terços dos meus conhecidos se dizem cristãos. Desses, duvido que metade tenha lido cinco páginas da Bíblia e seja capaz de levar um bom papo sobre crenças. Repetem o “religião não se discute” para camuflar a ignorância, como se assinassem um cheque em branco e aceitassem tudo que um malandreado diga a respeito das páginas sagradas.

 Eles me fazem lembrar Tomé, ou São Tomé, como queiram. Nessas semanas, optaram por ver para crer. Continuam se reunindo ao redor de churrasqueiras, batucando em pandeiros e tomando cerveja, fazendo stories menos que medíocres nas redes sociais. Só acreditam na força “desse tal vírus” se um parente estiver isolado na UTI, precisando de respirador, morrendo de solidão.

Vejo noites de lanche reunindo amigos e familiares distantes. Nelas, é impossível saber se há algum contaminado. Ninguém sente as chagas nas mãos de quem transmite o invisível. O “ver para crer” se manifesta no velório rápido e no enterro imediato, sem abraços, beijos, lágrimas e despedidas demoradas.

Não há nada acontecendo, devem pensar. Os devotos de São Tomé acreditam no otimismo e na positividade como ferramentas úteis para a cura da humanidade, mesmo que recorram a hospitais e tratamentos científicos na menor das dores de barriga.

Eu sei, o respeito a crenças e descrenças é um pilar da civilização ainda não alcançado. Mas é estranho. Os mais fiéis precisam ver para crer. Os ditos céticos só ouviram, mas creem na força do invisível.

Para alguns, a vida não parece tão sagrada assim.