Currículo sem mentiras

10 de maio de 2021 1 Por Leandro Marçal

CARTA DE APRESENTAÇÃO

(Isso aqui é uma grande merda irrelevante, mas já que pediram, vou encher linguiça por algumas linhas, mesmo sabendo que isso não convence ninguém, no máximo elimina quem for péssimo em língua portuguesa.)

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Prezados empregadores de qualquer setor,

Envio o meu currículo pelo motivo óbvio: preciso trabalhar.

Não tenho a menor ideia se sou capacitado pra vaga anunciada em intermináveis linhas com exigências estapafúrdias e um salário, creio eu, no máximo meia-boca. Nada muito além do mínimo para sobreviver e olhe lá. Mesmo assim, tento a sorte porque preciso pagar minhas contas. E quem não precisa?

Não aguento mais pedir favores e o custo de vida no Brasil está nas alturas, muito por culpa desse desgoverno de merda que vocês, grandes empresários, apoiam. A companhia de luz, a empresa que fornece água, os filhos da puta da tevê por assinatura e os arrombados da internet não querem saber. Não pagou, cortou.

Então é isso. Espero que o meu currículo não seja jogado fora sem uma prévia avaliação, como vocês costumam fazer. Até por isso, dei uma boa resumida em uma página só, pra não gastar o meu tempo nem o seu tempo. Se possível, não façam piadas do meu histórico profissional.

Muito obrigado, estou à disposição para limpar meu nome.

Atenciosamente,

João da Silva, desempregado há um ano e pouco, desanimado há mais tempo.

JOÃO DA SILVA

27 anos, casado por escolha, brasileiro por falta de escolha, sem filhos (acho).

Endereço num bairro periférico, motivo de descarte em empresas classistas. São muitas. Muitas, mesmo. Pode crer.

Cancelei o telefone fixo. Celular pré-pago em busca do Wi-Fi mais próximo. E-mail só pra enviar currículo.

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OBJETIVO: Por que alguém manda um currículo? Pra ganhar elogio? Porra, meu objetivo é conseguir um emprego. Óbvio! Não quero mais pedir favor pra ninguém. Tá foda!

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HABILIDADES: Sobreviver ganhando uma miséria, bolar um baseado bem fininho, girar bambolê sem deixar cair, aguentar meu sogro bolsominion, fazer bolo de aipim.

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GRADUAÇÃO

Administração de Empresas. Eu preferia Engenharia, mas nunca consegui uma bolsa. Da metade pro final, larguei de mão. Preferia o bar e foi lá que conheci minha esposa, inclusive.

Instituição: Universidade privada de nome gigantesco e difícil de decorar. Bastava cair o RG na calçada pra passar no vestibular.

Período: muito tempo, atrasei uns meses, tranquei, voltei e só peguei o diploma depois de negociar minha dívida.

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EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

Escritório cheio de engravatados salta pocinhas.

Técnico em Administração.

Usaram a pandemia pra me demitir, mas eu também já tava de saco cheio daquela bosta, fiquei um tempo no seguro-desemprego, arrumei uns bicos, mas agora o bicho pegou.

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Estágio meia-boca da faculdade.

Acho que eu era office boy.

Período: época da faculdade, tem um tempo aí.

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Mercadinho da esquina.

Fiz de tudo naquela merda e fui demitido porque cuspi no café do cretino do dono e me caguetaram.

Período: Faz tempo, foi meu primeiro emprego.

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CURSOS EXTRACURRICULARES

Cursinho de informática numa escolinha pequena.

Aprendi a usar o básico de computador lá e joguei CS também.

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Algum curso besta e inútil de um figurão famoso nas redes sociais.

Não aprendi nada, mas queria um diploma pra encher currículo.

Carga horária: não faço a menor ideia, na moral.

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IDIOMAS

Inglês: intermediário com aulas em jogos de videogame e filmes legendados.

Espanhol: básico, nada além do pero que sí pero que no.

Português meia-boca (ninguém liga pra isso).

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CARACTERÍSTICAS PESSOAIS

Gosto de trabalhar em equipe só pra me escorar nos outros. Sou proativo pros assuntos do meu interesse. Não sou trouxa. Não sei cozinhar, mijo fora do vaso e peido alto em casa (minha mulher odeia isso). Sei me esquivar em ambientes de trabalho com um bando de cretinos, um querendo comer o outro (às vezes, literalmente).

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PRETENSÃO SALARIAL

Eu pretendo ganhar mais de 10 mil por mês, só pra começar. Se possível, me paguem mais de 100 mil (não sou muito ambicioso) e me demandem pouco trabalho porque não sou otário. O mundo corporativo gosta da palavra “demanda”, né?

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TRABALHO VOLUNTÁRIO

Bati laje no sobrado do Marquinho e da Jane. Cansei demais, mas depois rolou feijoada, caipirinha e cerveja. Também ajudei na mudança da minha irmã Suzane. Ela tem um monte de móveis, tá louco.

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INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Preciso incluir uns termos em inglês, essa gente brega adora: brainstorming, job, target, essas merdas. Falta pedir pro meu amigo que manja dos Paint colocar umas imagens bonitinhas aqui também. Esses idiotas nem vão ler essa merda, mas se for tudo colorido, vão curtir e me chamar. É isso que importa. Quando o meu tio pastor me emprestar o paletó, tiro uma foto pra incluir aqui. Dizem que é bom enviar currículo na segunda-feira pra demonstrar vontade. Duvido muito, mas tem trouxa que acredita. Não aguento mais passar aperto.