Como você se vê daqui a cinco anos?

13 de fevereiro de 2023 1 Por Leandro Marçal

“Daqui a cinco anos?”, ele se espantou.

“Daqui a cinco anos”, ela repetiu de forma protocolar.

“Essa é uma boa pergunta”, ele tentou esconder a ironia.

“Não precisa ter pressa”, ela mentiu com elegância.

“Pessoal ou profissionalmente?”, ele tentou ganhar tempo.

“Tanto faz, fica a seu critério”, ela não demonstrou simpatia.

“Daqui a cinco anos…”, ele lembrou que nunca planejou seus dias.

Ela balançou a cabeça.

“Pra ser bem sincero eu não sei”, ele tremeu a voz.

“A pergunta é simples: como você se vê daqui a cinco anos?”, ela queria esconder a impaciência.

“Sinceramente”, ele pigarreou, “Sinceramente eu quero estar estabilizado, morando na minha própria casa, me desenvolvendo e crescendo aqui, com vocês”, ele puxava na memória a pesquisa prévia que fez sobre a empresa antes da entrevista.

“Então, daqui a cinco anos você pretende estar aqui com a gente?”, ela queria pegá-lo no contrapé.

“Exato”, ele não tinha certeza, “Sem muitas turbulências, mas acalmando as turbulências”, ele temeu gaguejar.

“Entendi”, ela digitava rapidamente no notebook.

“Passei por uma instabilidade”, ele recuperou a voz, “Então busco mais segurança, sei que vocês dão chance pra equipe, por isso me candidatei”, ele teve certeza que não passaria daquela etapa do processo seletivo.

“Estabilidade é importante”, ela teve certeza que ele não passaria daquela etapa do processo seletivo.

“Exato”, ele teve mais certeza que não passaria daquela etapa do processo seletivo.

“Pra finalizar”, ela sentiu a barriga roncando de fome, “Me diz uma qualidade e um defeito seu”, ela encarou os olhos do candidato.

“Uma qualidade e um defeito?”, ele lembrou um vídeo do YouTube sobre como passar em entrevistas de emprego como aquela.

“Uma qualidade e um defeito”, ela reafirmou enquanto pensava em cursos na internet sobre como se dar bem em entrevistas de emprego como aquela.

“Tá…”, ele queria pensar mais rápido e falar de um defeito que não fosse tão defeito e de uma qualidade que não fosse tão qualidade.

Ela colocou os cotovelos em cima da mesa, nas laterais do notebook.

“Uma qualidade: sou muito determinado, não descanso enquanto não atingir meus objetivos”, ele atuou como um protagonista de novela das nove.

“Certo”, ela tinha certeza que ele mentia.

“Um defeito: sou muito perfeccionista”, ele carregou na entonação para impressionar.

“Perfeccionista?”, ela se impressionou com o cinismo.

“Perfeccionista”, ele cogitou a possibilidade dela ter percebido o cinismo.

“Bem, acho que é isso”, ela queria almoçar, “Ficou alguma dúvida?”, ela torceu por uma resposta negativa.

“Ficou”, ele tinha certeza que ela queria uma resposta negativa.

“Pode falar”, ela odiou quem a obrigava a perguntar como cada candidato se via dali a cinco anos.

“Vocês vão dar uma resposta, seja positiva ou negativa?”, ele queria controlar a ansiedade, mesmo decepcionado por ter titubeado com a pergunta sobre como se via dali a cinco anos.

“Até o meio da próxima semana”, ela queria acabar logo com o papo, “Entraremos em contato pra dar um feedback”, ela se orgulhou de seu profissionalismo que a obrigava a usar palavras em inglês.

“Tá, muito obrigado”, ele ergueu a mão para cumprimentá-la.

“Muito boa sorte, tenha um bom dia”, ela o cumprimentou e torceu para a chefia não contratá-lo, enquanto pensava no bife à parmegiana do restaurante a duas quadras do escritório.