Carta aberta às cartas abertas

1 de abril de 2024 1 Por Leandro Marçal

Vocês devem estar cansadas. Exaustas, desgastadas, surradas e esvaziadas pelo seu uso sem critério, pela banalização, por serem acionadas sem necessidade. Qualquer motivo besta, qualquer notícia esquecível e aparece alguém recorrendo à “modalidade de texto usada para se manifestar publicamente sobre algum tema de âmbito público, muitas vezes publicada em veículos de comunicação e mídias sociais”.

Algumas (muitas!) cartas abertas nunca serão lidas por quem deveria. Outras (muitas!) são só um recurso estilístico para comover leitores e leitoras, tentando arrancar lágrimas ou um “como escreve bem, né?” de quem chega à última linha. Não vou mentir, já caí nesse clichê. Nem sei se faz sentido escrever diretamente para quem acabou de nascer e para quem ainda nem se alfabetizou. Tem quem acredite que serão lidas num futuro qualquer. Mas e aquelas escritas para quem nem está mais entre nós?

O intuito é chamar atenção, eu sei disso. Mas outro dia, tomei um susto quando passei por uma “carta aberta para mim” numa postagem de aniversário. Ou de “euniversário”. Fiquei constrangido a ponto de me recusar a percorrer o textão, confesso. Sei lá, não acho agradável gritar por todos os cantos que você se ama. Porque a gente percebe, percebe muito.

Talvez seja desperdício usar vocês, queridas cartas abertas, para falar de qualquer bobagem, para chamar atenção sobre picuinhas descartáveis, para chamar todas as atenções a todo custo por todo o tempo.

Por isso me dirijo a vocês. Mesmo sabendo que cartas abertas não se leem, nem têm autoconsciência. Nem por isso são desimportantes. Porque se é verdade que precisamos falar do uso excessivo do “precisamos falar sobre” no começo de discussões aparentemente importantes, ter mais parcimônia (que palavra!) ao escrever cartas abertas também faria bem à coletividade.

Carta aberta ao presidente da república, carta aberta a ex-participantes de reality shows, carta aberta à cantora pop, carta aberta ao vizinho, carta aberta a jogadores de futebol desinteressados com o mundo fora do seu mundo, carta aberta à minha mãe, carta aberta ao meu pai, carta aberta aos seguidores nas redes sociais, carta aberta às cartas abertas, carta aberta à puta que pariu.

Gosto de vocês, queridas cartas abertas. E torço, do fundo do meu coração, que aproveitem um merecido descanso, sem incômodos vazios, sem se importar com pequenas bobagens cotidianas, sendo acionadas apenas quando for realmente necessário.

Com afeto e sem ironia,

De um ex-autor de desnecessárias cartas abertas