Biro-Biro de barba loira

22 de julho de 2022 1 Por Leandro Marçal

Me olhar no espelho sempre causa espanto. Não pela feiura incorrigível, consigo lidar bem com isso. Também sei da impossibilidade humana de se ver sem filtros, seja uma câmera de celular ou um vidro refletindo traços faciais. Só com nossos próprios olhos não conseguimos nos enxergar. Mesmo assim, fico chocado ao mirar meu próprio rosto, sem chance de fingir alegria ou bravura e não ser desmascarado.

Mas o meu espanto de dias atrás não foi só pela troca de olhares com o espelho me refletindo. Mirando um pouco abaixo, entre a boca e o queixo, notei uma coloração diferente na barba. E não era um irmão gêmeo daquele fio branco, tão solitário, tentando chamar atenção de tempos em tempos e sendo arrancado com precisão cirúrgica.

Eram fios loiros, uns acastanhados, ganhando espaço no entorno do cavanhaque. Logo de cara, tomei um susto. Mal tenho saído de casa, preciso tomar mais sol. Recentemente, passei a máquina zero em toda a barba, numa mistura de preguiça e ressaca da ansiedade.

— Não é cabelo branco, não. É loiro, mesmo. Esqueceu que tu era loiro quando pequeno? Tinha o vizinho que te chamava de Biro-Biro. O jogador lá, cabelo claro e enrolado — para não me deixar mentir, minha mãe puxou outro fio, o da memória, no meio do almoço.

O vizinho da infância só me chamava pelo nome do clássico jogador do Corinthians, eu que nunca cheguei nem perto de ser corintiano. Ele sempre me cumprimentava quando eu passava na rua.

— Biro-Biro! — gritava com os braços erguidos.

Muito antes do Ronaldinho, o Gaúcho, Ronaldinho era só um, o Fenômeno. E no almoço, minha mãe não falou da sua raiva quando troquei as madeixas do Biro-Biro pela pouca cabeleira do Ronaldinho, passando a maquininha no que hoje é uma pouca, raríssima telha. Até onde sei, a mudança capilar não foi motivo de briga séria entre ela e o meu pai. Só um descontentamento, mas os filhos nascem para o mundo e seguem os próprios caminhos.

Mãe não erra. Eu preferia ter o penteado meio Biro-Biro. Depois dos anos Ronaldinho, cheguei cedo à fase Zidane. Para não me deixar mentir, minha mãe deu a mim e às minhas irmãs todos os álbuns de infância quando cada um de nós completou 18 anos. Só os retratos raríssimos provam: sim, eu já tive cabelos loiros e enrolados; e sim, eu já fui gordinho e bochechudo.

Quando eu conto, quase ninguém acredita. Biro-Biro. De barba loira, que vou deixar crescer, além de tomar mais sol e me olhar um pouco mais no espelho. Sem espantos, espero.

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