As letras e os nomes

3 de outubro de 2020 0 Por Leandro Marçal

Eu ia chamá-lo de xará, mas li na ficha que seu nome tinha um agá depois do éle. “Lê, lê-andro. Lieandro, não”, falou, educadamente. Olhei outra vez para o papel e fiquei confuso. Se escreve Lheandro, então a pronúncia deveria ser lhê-andro. Um agá depois do éle tem som de li, pensei. Como o cliente sempre tem razão, concordei, para desespero do idioma. “Desculpe, Leandro”, sorri educadamente.

Na volta para casa, pensei nos motivos que levam pais e mães a colocar letras desnecessárias nos nomes. Deve ser para enfeitar. Incluem Ks, Ys e Ws no lugar de letras menos sofisticadas do alfabeto. Inserem Hs depois de Ts ou no final do nome para fazer as vezes de acento agudo. Acham bonito esse monte de Ns e Ls dobrados que não mudam a pronúncia. Usam PHs porque não descobriram a letra éfe.

Mau gosto não se discute. Parece uma tentativa de chamar atenção, como as roupas insanamente coloridas, capazes de cegar desavisados. Uma camisa amarela marca-texto e uma bermuda laranja mais-que-fluorescente, no estilo Romero Britto. Para completar, um monte de letras para rechear o nome. Tem quem goste.

E há quem reclame das palavras em alemão, russo e outros idiomas distantes. Ao dar de cara com mais de dez letras, sendo só três vogais, o leitor se arrepia, sem saber como pronunciá-la. Nessas horas, penso na lista de chamada na escola, consultas médicas e atendimentos públicos.

Dei sorte. Meus pais me livraram de um nome mancebo, pendurando letras feito roupas usadas. Não sofro com erros de português ao assinar documentos. Fico pensando se eles insistissem num ême no lugar do êne antes do dê. “E daí que é erro de português? O filho é meu, eu ponho o nome como eu quiser”, devem dizer nos cartórios por aí.  

Já me incomoda ter cedilha no sobrenome materno. Vez ou outra, preciso soletrar para deixar claro que não são dois ésses. Meu pai precisa avisar que o primeiro nome dele é com no final, não tem acento, nem ésse. Minha mãe, bem… Foi batizada com um nome comum, mas com um ê logo no começo. Nos meus pesadelos, ela passa essa cruz adiante e eu me chamo Eleandro.

Uma vez, cometi a gafe de dizer à recepcionista de uma clínica que tinha consulta marcada com a doutora Kelly. Ela foi curta e grossa. “Doutor Kelly”, falou ressaltando a última sílaba. Quando muito criança, outra recepcionista gritava por uma Josefa que não aparecia. Um homem forte e alto levantou, para constrangimento geral. “É Josefá”. As oxítonas têm culpa no cartório. Não tanto quanto pais e mães fazendo dos nomes dos filhos as próprias roupas fluorescentes e chamativas.

Quando eu era mais novo, tinha mania de perguntar se as pessoas gostavam do próprio nome. Moleque folgado, falava em tom de deboche. Parei com essa mania feia, hoje só pergunto como se escreve. É chato demais precisar corrigir. Mentalmente, me pergunto por que tantos Ys, Ws, Ks, Hs, PHs, além dos Ls e Ns dobrados.

Me disseram que é para ficar mais bonito, com cara de nome gringo. Sinceramente, eu preferia que o Lheandro fosse meu xará, não um quase xará.