Ah, o esporte…

27 de julho de 2021 3 Por Leandro Marçal

Pertenço a um grupo nada secreto de pessoas peculiares. Para fazer parte dessa confraria, a única exigência é se emocionar com o esporte. Muitos de nós nem fazem curtas caminhadas para atender às recomendações da OMS de combate ao sedentarismo. Mas todos somos capazes de contar feitos esportivos de décadas atrás, ressaltando detalhes históricos desconhecidos por quem não pertence ao seleto clã.

Nós, do grupo peculiar, fazemos referência a datas importantes da vida nos baseando em eventos esportivos: casei no ano da Olimpíada em Londres, separei meses após a Copa na Rússia e assim por diante.

Somos um tipo de gente que se emociona ao ver a Naomi Osaka acendendo a pira olímpica, poucos meses depois de abandonar uma importante competição por questões de saúde mental. Nossos olhos também se enchem d’água quando resgatamos, na internet, as cenas do Vanderlei Cordeiro de Lima levando ao delírio um Maracanã lotado na abertura da Olimpíada que passou por aqui. Outros tempos, outro país. Outra vida.

Estamos dispostos a desafiar o bom senso, passando noites em claro para não perder cada disputa em Tóquio. Evidentemente, damos preferência à torcida pelos brasileiros, mas não nos resumimos ao estranho patriotismo esportivo. Não desligamos a televisão durante a madrugada para chorar junto com o repórter que chora junto com o surfista medalhista. Entre cochilos e breves descansos, nos obrigamos a abrir os olhos em cada grito dos narradores, indicando momentos agudos, memoráveis, decisivos.

Somos assim e não mudaremos. Trabalhamos cansados, destruídos e satisfeitos, dividindo espaço com gente insensível e incapaz de enxergar a beleza no esporte.  Nós nos identificamos e somos simpáticos a quem dedica uma vida à superação e aos sacrifícios, num país que pouco valoriza seu esforço, só suas medalhas, numa cobrança desproporcional por um bando de desavisados estranhos ao nosso grupo.

Sabemos como é o abandono do poder público por décadas e por isso celebramos cada conquista, por menor que pareça aos olhos de quem não valoriza a jornada, só a chegada.

Temos espírito esportivo no dia a dia. Entendemos a importância de perder, porque só tropeça quem caminha. Entendemos os pedidos de desculpas pelas derrotas, mas sabemos que quem chega lá, na disputa, não nos deve nada. Ganhar a todo custo nunca foi nossa vocação. Num mundo em que o dinheiro vale mais que o sorriso, rejeitamos a falsa impressão de que só a vitória importa. O lúdico, amamos o lúdico.

Em 2000, a prata no revezamento 4×100; em 2004, a final do vôlei masculino, a inacreditável derrota das mulheres contra a Rússia, o filho da puta daquele padre irlandês; em 2008, o Cielo chorando no pódio e o ouro das mulheres no vôlei, repetido em 2012; há cinco anos, o Thiago Braz batendo o recorde diante de um francês bravo, o Isaquias nos dando alegrias, o Bolt chegando à frente. Esse ano, a lembrança de que há uma vida além da pandemia.

Se o orçamento aperta, até dispensamos a Netflix, mas não abrimos mão dos canais de esporte. O esporte, meus amigos. O esporte, minhas amigas. O esporte, ó deuses do esporte. Eu não sei viver sem o esporte.