A vida disciplinada das plantas

12 de dezembro de 2022 0 Por Leandro Marçal

No pico da pandemia, também passei a cuidar de plantas. Nada muito exagerado, é verdade. São dois anos regando-as sem exagero, posicionando-as para tomar sol na medida certa, colocando-as lá fora durante a chuva para que bebam a mais natural das águas.

Desde pequeno, moro em casas com quintal: o primeiro era dividido com outros inquilinos, o segundo era mais modesto, teve ainda aquele generoso e convidativo. E desde pequeno, vi minha mãe alimentando suas filhas verdes.

Orquídea, arnica, boldo, lírio-da-paz, espada-de-são-jorge, lança-de-são-jorge, espada-de-santa-bárbara, comigo-ninguém-pode, jiboia, babosa, renda portuguesa, samambaia, capim-cidreira, hortelã, pé de abacaxi, ora-pro-nóbis, arruda, colar-de-golfinho, colar-de-pérola. Tem mais, eu sei que tem muito mais.

Umas viraram chás, outras renderam naturais xampus, houve as que pararam nos pratos de refeições mais leves. Muita gente estranhava o cultivo daquelas sem aparente utilidade prática além de embelezar o ambiente, purificar o ar, recordar que estamos na natureza e dela nunca sairemos.

Sou um filho esquecido, confesso. Eu, um disciplinado por vocação, tive dificuldades no começo. Jogava água demais e encharcava as coitadas. Esquecia delas por dois dias e lá estavam murchas, para baixo, completamente abatidas. Se educar seres humanos envolve um pouco de tentativa e erro, cultivar plantas tem regras mais definidas.

Caso cometa o erro de jogar água depois de um dia ensolarado, correrá o sério risco de cozinhar a raiz num homicídio culposo. Se exagerar na dose de líquido, poderá enfraquecer as folhas mais sensíveis. A falta de sol pode deixá-las fracas, como nas vezes em que precisamos tomar vitamina D.

As plantas têm seu tempo. Um tempo próprio. Cada uma cresce em velocidade bem específica, cada uma precisa de cuidados especiais, cada uma exige de nós um grau considerável de conhecimento para “vingar”. As plantas não estão nem aí para as nossas ocupações, para o horário do trabalho, para a correria do dia a dia, para as preocupações temporárias e urgentes.

Não faz muito tempo, li uma reportagem sobre a comunicação entre árvores. Pela raiz, ou coisa assim, umas ajudam as outras, umas alimentam as outras, umas fortalecem as outras. Um tipo de coletividade de dar inveja aos seres humanos com mais de dois neurônios.

Sem verbalizar uma só palavra, as plantas me ensinaram a dar tempo ao tempo, a respeitar o tempo, a respeitar o meu tempo. Me mostraram a insensatez no imediatismo, me indicaram o caminho do parar e respirar.

Silenciosas, as plantas têm uma vida disciplinada e morrem sem avisar, sem gritar, sem perturbar. Desde o pico da pandemia, entendi o respeito da minha mãe às plantas, passei a prestar mais atenção nas plantas.