A molecada de bicicleta

12 de setembro de 2022 1 Por Leandro Marçal

De longe, consigo avistar duas bicicletas vindo na minha direção. Estou na calçada, no sentido inverso ao fluxo do trânsito. Moro nessa cidade desde que nasci e sei que ninguém espera ser a próxima vítima da molecada de bicicleta.

Eles me cercam e não tenho o que fazer. Entrego a carteira e o celular. Estão armados, são bem mais novos que eu. É tudo muito rápido, os gritos para me intimidar são contidos para não chamar tanta atenção. Parecem não ter nada a perder e isso dá medo porque a chance de puxar o gatilho é maior. Vão embora, os desgraçados.

Volto para meu apartamento, aviso amigos, família e colegas de trabalho. Publico nas redes sociais. A violência urbana me pegou. Estou bem, sim. Foi mais o susto. As notificações de comentários indignados não param. Peço que não respondam a pedidos de dinheiro pelo WhatsApp. Perco um tempão fazendo o boletim de ocorrência, aviso o banco, bloqueio o meu número com a empresa de telefonia.

Uma merda, uma grande merda. Mas também, por que fui sair de casa com celular? Por que escolhi aquele caminho? Por que não chamei um Uber? Por que andei com os braços tão colados ao tronco? Poderia caminhar de um jeito mais despojado, deixando claro que sou daqui. Que fossem roubar turistas ou moradores endinheirados lá pelos lados do Centro. Roubar um fodido é foda.

A violência está demais, canso de ouvir. Quando volto a pisar naquela mesma calçada, sinto o coração acelerado. Se eu encontro aqueles dois moleques outra vez, não respondo por mim. E isso é um perigo, deixo familiares e amigos ainda mais preocupados. Fico atento a qualquer barulho parecido com o de seres vivos. Olho para todos os cantos, confiro os dois lados da rua mais de uma vez antes de atravessar. Nunca é fácil retomar a normalidade dos dias depois que alguém leva embora nossos bens materiais.

Antes de comprar um aparelho novo em dez parcelas, me chamam atenção por ter feito um boletim de ocorrência. Nunca mais vou ver aquele smartphone. Seria melhor falar direto com os caras do outro bairro, eles me avisariam qualquer coisa. Mas não quero falar com ninguém do outro bairro. Compro tudo com meu dinheiro suado, minha obrigação é informar às autoridades. Elas precisam se mexer, nós precisamos cobrar.

Fico revoltado. Não tem ninguém competente para ficar de olho na molecada de bicicleta. Ouço relatos de mais gente assaltada assim. Teve até quem apanhou no meio da rua, com câmeras de segurança registrando a violência, para alegria do jornal do almoço.

Comento a história completa na casa da minha mãe, que vai até a cozinha pegar uma latinha de cerveja. Ela pede para mudar de canal, o noticiário só fala de desemprego, fome e miséria o dia inteiro.

Volto de Uber. Olho pela janela e vejo uma molecada, tão molecada quanto aqueles dois de bicicleta, em uma esquina a duas quadras da casa da minha mãe. Estão sem fazer nada, porque nesse outro bairro não há muito o que fazer. Subo até meu apartamento e durmo cedo. No dia seguinte, tenho uma reunião importante logo pela manhã no meu bom emprego.