Visitas famosas

18 de março de 2019 2 Por Leandro Marçal

A dupla de apresentadores me deseja boa noite. Respondo cordialmente. Protagonizo um diálogo sem sentido com uma caixa retangular, reproduzindo imagens captadas por câmeras a centenas de quilômetros de distância. Esses dois nunca ouviram falar de mim, mas eu nunca seria mal educado a ponto de ignorar uma saudação após o expediente.

E fico me perguntando como reagiria se essas e outras figuras com notoriedade batessem à porta de casa. No caso dos responsáveis pelo telejornal noturno, eu certamente pediria para sentar-se à mesa da cozinha, prepararia um café e gastaria boas horas trocando ideias sobre a política nacional e os rumos de certo país sem rumo. Perguntaria sobre a pressão da chefia para defender este ou aquele lado, daria boas risadas com as gafes envolvendo links ou notícias equivocadas e daria meu boa noite pessoalmente.

Supondo que a visita fosse de um político de projeção nacional, nos primeiros meses de mandato, por exemplo, jamais falaria sobre trabalho. Ficaria um monólogo, ele não teria conhecimento sobre o tema. Redes sociais e condutas individuais lhe preocupam mais do que o bem-estar coletivo. É bem provável que eu dissesse ter um compromisso inadiável para aquele dia, expulsando-o daqui com polidez. Sem crença em superstições, até colocaria uma vassoura atrás da porta por via das dúvidas. Pensaria em deixar a porta fechada, como faço com os fanáticos religiosos nas manhãs de domingo: eles vão embora, pensam que não há ninguém por aqui. Daria um jeito de me livrar da indesejável das gentes, que nos mata dia após dia.

A um toque na campainha por atores e atrizes, cantores e cantoras, escritores e escritoras, enfim, pessoas com envolvidas com arte, abriria as portas com a maior boa vontade do mundo e ligaria para um dos números de telefone pendurados à porta da geladeira. A entrega de uma pizza ou mesmo de um engradado de cervejas lhes fariam permanecer por mais tempo nas minhas dependências. Ofereceria, até, o colchão reserva, poderiam ir embora pela manhã, antes dos compromissos profissionais do dia seguinte.

Os papos rolariam madrugada adentro, daríamos risada ao contar causos e desenvolveríamos ideias de projetos futuros. Na despedida, mandaria mensagens em grupos de WhatsApp, sugerindo marcarmos outra cervejada ou noite da pizza. Dessa vez com mais tempo e menos imprevisto.

A vida pareceria menos ácida e eu teria boas histórias para contar no almoço da firma, na salinha do café, na baia do escritório onde trabalho. Daria bom dia, boa tarde e boa noite a todos que encontrasse na rua, mesmo que falasse sozinho.