Um dia sem pensar no governo

6 de setembro de 2021 1 Por Leandro Marçal

Quando eu tinha vida social, e isso já faz uma eternidade, buscava mudar de assunto quando a seriedade tomava conta do papo de boteco por muito tempo. Preferia dar risadas e discutir bobagens, evitando discussões extensas sobre trabalho e política. Mas quem frequenta mesas de bar sabe: volta e meia, o tema central do simpósio etílico tem a ver com a sisudez do mundo lá fora. Não dá para fugir completamente.

Semana passada, Laís me chamou pelo Instagram. Amiga de uma década, sempre compartilhamos boas garrafas de cerveja gelada, falando de tudo e de todos. Nossa prosa virtual foi regada a saudades de quando discordávamos um do outro e a mesa de plástico testemunhava discussões políticas. Ela, mais à direita, uma direita racional e civilizada. Eu, ligeiramente à esquerda, falando dos avanços conquistados na primeira década deste século. Falamos com nostalgia dos embates PT x PSDB. Outros tempos.

Hoje, é só destruição. Hoje, concordamos em tudo, praticamente: na oposição, no ódio, no nojo e no asco causados por esse governo. Na impossibilidade de manter vínculos emocionais com quem dá um jeito de passar pano na matança pandêmica, tão deliberada, tão negligente, tão cruel ao sabotar a compra das vacinas.

Quando frequentávamos botecos às sextas-feiras depois da aula, eu e Laís até conseguíamos desviar dos assuntos mais sérios. Mas lá para o fim do ano ou começo do próximo, vacinados e seguros, na mesa de algum bar desconhecido, será impossível não falar desse governo.

Naqueles tempos de bar, era possível passar mais de 24 horas sem pensar em política, sem odiar um governo fascista, sem maldizer um infeliz disposto a rir dos mortos, com sua família de hediondos e incapazes.

É impossível viver um dia inteiro de felicidade plena, Laís me dizia. Mesmo quem cultiva um grande amor, mesmo quem vê a vida brotando no sorriso de uma criança dentro de casa, mesmo quem é promovido, mesmo os recém-milionários de loteria se sentem acuados, com medo, ameaçados. Na velocidade insana das redes sociais, qualquer meia hora desconectado guarda no retorno a certeza de uma notícia bombástica, a convicção de outro escândalo vergonhoso, a fatalidade de um abuso golpista, superando o anterior e sendo superado pelo de daqui a pouco.

O sobrenome de nove letras, que personifica esse governo, está por todos os cantos: na fila do mercado, nos grupos de família no WhatsApp, nos corredores do escritório, nos portais. Estamos atravessados por uma mistura de maldade, burrice, incompetência e atraso. É impossível ficar um dia sem pensar nos assassinos e seus cúmplices.

Pobres de nós, Laís. Em outros tempos, a infelicidade brasileira era mais feliz, era humor autodepreciativo, era um misto de orgulho desta terra e reconhecimento de muitos problemas. Os botecos, as lembranças e a atmosfera mereciam mais, muito mais que a miséria de hoje. Miséria acima de tudo, tragédia acima de todos. Sinto saudades de passar mais tempo pensando em assuntos menos degradantes, nem que fosse por um só dia, mesmo por umas poucas horas, mesmo que a cerveja do boteco não estivesse tão gelada assim.