Um blasé emocionado

8 de novembro de 2021 0 Por Leandro Marçal

“Gente blasé é cafona demais. Seja um emocionado”, ordenava a frase de efeito compartilhada exaustivamente no Twitter e replicada sem moderação no Instagram. Sou um burro à moda antiga e por isso recorri ao dicionário. Impresso, bem folheado e com as bordas amareladas. Não confio muito nas Wikipedias e seus filhotes.

Segundo meu velho e mudo professor, comprado na distante década retrasada, blasé é “aquele que exprime completa indiferença pela novidade, pelo que deve comover, chocar etc.; aquele que está embotado pelo excesso de estímulos sensoriais, afetivos, intelectuais ou de prazeres, e que se tornou insensível ou indiferente a eles”. Já cafona é definido como “pessoa que se caracteriza pela falta de bom gosto; pessoa brega”.

Pensei na D., com quem saí umas tantas vezes há uns tantos anos. Ela me cobrava por não demonstrar sentimentos e emoções com frequência. Eu era um cara seco, duro (sem trocadilho), ácido e racional demais. Deveria ser mais solto e leve. Mais emocionado, segundo os internautas. Não consegui e seguimos nossas vidas com distanciamento social (um do outro).

Também pensei na C. Para não cometer os mesmos erros, tentei cair para o lado emocionado da força. Demonstrava sentimentos, vomitava palavras bonitas e melosas, encenava otimismo com nosso futuro. Ela quase correu em fuga. Terminou alegando não me reconhecer mais, tinha se apaixonado por um eu diferente. Mais blasé, menos plastificado.

Não que eu seja indiferente a tudo, não que eu seja racional o tempo todo, não que meu coração sirva apenas para bombear sangue. Longe disso. Me comovo com pequenezas do cotidiano, com grandezas da banalidade, com alegrias que nos empurram para frente e nos fazem insistir na vida. Mas não sinto necessidade de expor isso ao mundo, entoando um sentimentalismo por likes, expondo lágrimas e corações e eu te amo e tudo é lindo o tempo todo.

Se isso é ser cafona, como pregam os estilistas sociais das redes, devo ser entusiasta da breguice. Já fui acusado de ser fechado demais, na minha demais, direto demais e até grosseiro demais. Não tive direito a defesa e me condenaram em todas as instâncias. Também respondi pelos risos escrachados após falar absurdos, fui enquadrado como espontâneo, carismático e até doce nas palavras. Acredite se quiser. No tribunal, ainda me rotularam como dono de sensibilidade apurada para ouvir e tratar de assuntos delicados na medida certa. Minha ficha é corrida e contraditória, eu sei.

Sou um blasé emocionado. Como uma pizza: mezzo blasé, mezzo emoção. Não sou especialista em estilo, detesto experimentar roupas novas e talvez por isso eu deva mesmo ser chamado de cafona. Brega, sei umas letras do Reginaldo Rossi e do Falcão. Mas só sei ser assim: contraditório, tímido e extrovertido, nem pra lá nem pra cá, às vezes pra cá e às vezes pra lá. Emocionado e indiferente. Tudo ao mesmo tempo, defeituoso e humano, mas isso não viraliza nas redes.