Tenho quase 30 anos
Meu chefe pediu para tomar conta do escritório, cheio de gente jovem e talentosa, porque sou o mais velho entre os funcionários. Nunca tinha acontecido comigo antes, de ser o mais velho entre os funcionários de um escritório, cheio de gente jovem e talentosa. Todos estão no primeiro ou segundo emprego, com vinte e poucos anos, sonhando com uma carreira de sucesso. Eu perdi as contas de quantas firmas me ficharam, tenho quase 30 anos e só me interesso pelos boletos pagos.
A idade não é motivo para me apavorar, evidentemente. Nunca liguei muito para o passar do tempo, nem tenho essas vaidades. Nunca liguei muito para nada, é verdade. E o tempo, ora o tempo, tentar combatê-lo é uma luta ingrata, como enfrentar o sono. Mesmo assim, eu tenho quase 30 anos e meus cabelos já foram embora. Nem tento esconder, não uso boné porque tenho quase 30 anos, foi-se o tempo.
Nas horas livres, prefiro ler um livro ou assistir a um bom filme do que jogar videogame. Eu tenho quase 30 anos e gosto de uma sala de cinema vazia, num dia da semana com folga no meio da tarde, sem o barulho de pipoca e jovens mais jovens que eu falando alto. Prefiro a discrição, coisa de quem tem quase 30 anos.
Não casei, como a Maria Clara, minha ex. Hoje ela mora em Lisboa e fala comigo de vez em quando por comentários de Facebook. Ela não tem filhos, mas também tem quase 30 anos. Já o Sandro, amigo de infância, está no segundo. Filho e casamento. Passou perrengues morando sozinho, se refez, encontrou a mulher da sua vida, a segunda mulher da sua vida, e tem um bom emprego. Ele já tem 30 anos.
Não me preocupo por ter quase 30 anos. Tive bons empregos, ótimos empregos, quase empregos e surtei no desemprego. Nunca sonhei em casar ou ter filhos, meus relacionamentos foram filmes de comédia, sequer tracei planos para esta ou aquela idade. Moro num apartamento pequeno, passo com frequência na casa dos meus pais, meu irmão sempre me visita para tomar uma cerveja e jogar conversa fora. Todos tiveram seus quase 30 anos e repetem que a preocupação com a idade é bobagem.
Eu sei, sempre respondo. Não dou importância para isso, tanto que nunca falo sobre ter quase 30 anos. Nem é uma idade tão bonita quanto, sei lá, os 80. Acho lindo ver alguém mencionando as oito décadas de existência. Octogenários já tiveram quase 30 anos.
Sou jovem demais para ser velho, adulto demais para ser jovem, imaturo demais para ser um adulto mais, digamos, sério. Evito rir de piadas bobas porque tenho quase 30 anos, mas me preocupo com a água, a luz e o aluguel, porque tenho quase 30 anos.
Quando vejo colegas da escola casados ou com filhos, não posso mais dizer “nossa, tão cedo”. Mas se um de nós morre, choro com um lamento de “nossa, tão cedo”.
Uns mais dramáticos buscam atenção nas redes sociais ao falar de seus quase 30 anos. Eu não ligo. Se desse importância, estaria preocupado por não ter conquistado o mundo, como planejei antes dos 18, porque antes dos 18 a prepotência juvenil cria sonhos impossíveis. Não tenho casa, vendi meu carro, estou longe de uma vida estável, porque não existem vidas estáveis.
Como o mais velho nesse escritório cheio de gente jovem e talentosa, costumo responder a perguntas, dar dicas e contar histórias da vida. Da minha vida. Me sinto inseguro por ter quase 30 anos, mas inseguro sempre fui. Não é culpa da idade. Se um dia eu tiver quase 80 anos, vou seguir com mais perguntas e incertezas do que respostas e definições.
Filosófico, fina ironia, bem costurado.