Se os gremlins fossem bolsonaristas

22 de abril de 2021 0 Por Leandro Marçal

Como todo bom filho da primeira metade dos anos 1990, fui criado à base de muita Sessão da Tarde. Num tempo sem streaming, era bom reclamar dos filmes repetidos em dias de chuva. Naquela rotina tranquila, vi bastante coisa lançada nos anos 1980.

Gremlins. Com a língua presa, eu tinha dificuldade para falar do filme dos monstrinhos. Dos filmes, porque tem uma sequência. As tardes de Sessão da Tarde povoaram minhas lembranças semana passada, enquanto contava as horas para o fim do expediente e mudava de canal na tevê por assinatura. Gremlins. Nunca tive medo daqueles monstrinhos. Era só um filme engraçado.

Uma história muito louca e por isso divertida: os mogwais são bichinhos peludos e simpáticos, parecendo uma mistura de morcego e coruja. Perto do Natal, Rand Peltzer quer dar um desses de presente para o filho, Billy Peltzer. Mas um chinês, dono da loja, relutava em vender o monstrinho. Para cuidar dos mogwais, três responsabilidades não poderiam ser esquecidas: eles não podem entrar em contato com a água, precisam ficar longe da luz forte e nunca devem ser alimentados depois da meia-noite.

Quando molhados, os mogwais se multiplicam, com umas bolotas parecendo ovos saindo de suas costas. A luz forte os irrita e pode até matá-los. Caso se alimentem depois da meia-noite, passam por uma metamorfose e se transformam nos gremlins que dão nome ao filme. Como dizia aquela voz da Sessão da Tarde, é óbvio que essas criaturas aprontam muitas confusões.

E como todo filho do bom senso nessa década trágica, me perguntei se os mogwais seriam bolsonaristas. Acho que não. Só se fossem molhados, expostos à luz ou alimentados depois da meia-noite, pensei.

O voto 17 em 2018 transformou muita gente conhecida em gremlins. Para preservar minha saúde mental, optei pelo afastamento, se não por completo, silenciando todas as publicações ensandecidas nas redes sociais. Uns poucos foram bloqueados, é verdade, e não fazem falta nenhuma por aqui.

Com centenas de milhares de brasileiros mortos por covid-19, dar atenção e responder a esse bando de amalucados na internet é como dar comida para um mogwai depois da meia-noite. Curioso: quando um comentário expõe o ridículo do líder genocida, parece que jogamos água num monstrengo. O bicho de cara feia começa a se multiplicar, tentando intimidar pela quantidade, feito aqueles moleques covardes da escola, valentões só quando estão em bando.

A luz incomoda os mogwais, e também pode matar bolsonaristas. Iluminá-los com fatos, acender a lâmpada do conhecimento e clarear com ciência causa queimaduras sérias em cérebros atrofiados. A exposição da cumplicidade com a tragédia dos nossos tempos deve machucar mesmo. Dá para ouvir os gritos estridentes dos monstrinhos apegados a fake news, feito ratazanas estrebuchando, quando a luz desmascara seus pensamentos de trevas.

Bolsonaristas são gremlins em forma de gente, pensei. Quando deu minha hora, bati o ponto e desliguei a televisão. Precisava descansar um pouco.