Rotina

9 de janeiro de 2020 0 Por Leandro Marçal

Uma antiga crônica publicada no comecinho de 2017 sobre os dias passando. Lembrei dela hoje, fuçando meus arquivos.

Todo domingo eu rezo para ter me confundido e ainda ser sábado. Acordo com uma ressaca violenta que me fará ter dor de cabeça por boa parte do dia. Talvez dor de barriga. Talvez vômito pela casa toda e ligações para alguém me ajudar a limpar tudo isso. Tontura na certa. Prometo que nunca mais vou beber ou me estragar tanto. Fico esparramado na cama como se nunca mais fosse levantar, até conseguir tomar um banho para tirar o cheiro de cigarro, bebida, gente e suor de quem mal conseguiu se lavar ao chegar de madrugada. Percebo que é mesmo domingo e fico hipnotizado em frente à televisão ou fazendo qualquer outro nada improdutivo só para passar o tempo. Quando ele passa, desejo que ele não tivesse passado para não lembrar que amanhã é segunda. Vou dormir tarde depois de quebrar a promessa de toda semana e não deitar cedo.

Toda segunda-feira eu espero que haja um feitiço do tempo, ainda seja domingo e eu possa ficar esparramado na cama ou no sofá vendo um jogo. Olho o despertador, percebo que isso só acontece na ficção e me levanto para não perder o ônibus rumo ao trabalho. Ao redor, caras de mau humor (justo). Chego dando bom dia do porteiro ao chefe, mais por educação do que por vontade. Há quem simule uma falsa felicidade que não pode existir nesse dia pela manhã. Chego ao fim do dia cansado. Toda segunda-feira é cansativa. Fico feliz por saber que esse é o dia da semana mais distante da próxima segunda-feira. Fico triste por saber que essa felicidade não faz sentido.

Toda terça-feira espero que ninguém leia minha mente enquanto me pergunto em algum momento do dia o porquê desse dia não se chamar “terceira-feira”. Percebo que essa dúvida é só mais uma das tantas imbecis ao lembrar que a rima seria extremamente idiota. Noto uma melancolia em um dia que não tem nada de especial, nem um prato típico no restaurante mais próximo ao escritório. Vou para casa sem planos, apenas torço por uma chuva torrencial cair sobre a cidade, que se alagaria e me daria um motivo razoável para não ir à academia e encarar outras pessoas puxando ferro em busca de um corpo perfeito num mundo em que inexistem perfeições de todo tipo.

Toda quarta-feira aguardo todos se afastarem de mim, enquanto finjo estar trabalhando, para ver quais os bons jogos da rodada de meio de semana. Invariavelmente, vou esquecer a rodada até o fim do dia e usar as informações da TV por assinatura para saber qual programação vou assistir antes de ir dormir. Não verei nenhuma. Dormirei antes da hora ou me renderei às maravilhas grotescas da internet e suas redes sociais, falindo os sites pornográficos a cada novo vazamento de gente comum pelada de corpo e alma. Sinto dó deles (dos sites e das pessoas com a privacidade rompida involuntariamente).

Toda quinta-feira torço por um acelerar do tempo que antecipe a chegada da sexta-feira. Percebo que esse é o dia mais próximo de uma sexta-feira, fora a própria sexta-feira. Isso basta.

Toda sexta-feira torço por um acelerar ainda mais rápido do tempo, mesmo sabendo que, se assim for, vou envelhecer mais rápido que de costume. Baseio meu dia nas horas que faltam para sair daqui e minha produtividade não muito boa é menor do que o normal. Desejo ir para casa logo para me atolar em séries e comidas que me engordam no meu apartamento solitário, mas me rendo à cerveja nesse barzinho perto do trabalho em que a saideira nunca chega e toda garrafa é a penúltima. As pessoas ficam mais bonitas com o passar dos goles e o engolir das horas. Quando me dou conta, estou colocando as calças depois de me deitar com quem não dava muita bola quando sóbrio. Amanhã estou de folga.

Todo sábado torço para que ainda seja sexta-feira e eu possa curtir mais do meu fim de semana. Percebo que isso não vai acontecer, pois só na ficção o tempo pode não ter disciplina vez ou outra. Só saio para tomar sol quando tenho um convite tão raro quanto ar puro nos centros urbanos. Caço um lugar para ir no começo da noite, só para não ficar deprimido. Chego e puxo assunto com todos para não ficar isolado. E deprimido. Começo com uma cerveja, não fumo, não uso drogas. Dou só um gole na vodca e no uísque para não me passar por chato. Fico doido e passo a fumar todos os tipos de cigarros e beijar todas as bocas que se aproximam. Não dá tempo de acordar no outro dia com alguém que não desejava, os vômitos afastam pretendentes e fazem alguém ganhar o ingrato sorteio de quem vai me levar para casa, pois já não tenho condição alguma de tomar conta de mim. Prometo que nunca mais vou beber, a vida pode ser menos fútil que isso. Vou melhorar, vou mudar. Amo todo mundo, xingo todo mundo, grito com todo mundo.

Semana que vem tudo vai melhorar e vou colocar minha vida nos eixos. Eu prometo.