Políticos da boa vizinhança

23 de agosto de 2021 0 Por Leandro Marçal

Pouco antes das eleições passadas, recebi o aviso estranho. Tentativa de intimidação, diriam alguns. O telefone sem fio partiu de um colega de profissão, agora político na cidade vizinha. Muito sensível, o rapaz foi seco e avisou uma pessoa, que avisou outra pessoa, que me contatou no serviço: se eu não apagasse um tuíte crítico, seria processado. Não havia nada demais, fora o risco de um telefonema para a chefia cortar minha cabeça. Sou um fodido, preferi preservar meu emprego. Em outros tempos, mandaria o cidadão à merda, mas só o fiz mentalmente.

Quando não há ofensas, acusações sem fundamento ou crimes contra a honra (como era o caso), esse tipo de conduta soa absurdo para um arremedo de democracia. Bem diferente do que aconteceu com um amigo meu. Ele mora aqui perto e há uns anos recebeu uma notificação extrajudicial em sua casa. Precisou fazer uma postagem pública e constrangedora no Facebook, retirando tudo que havia dito contra um então prefeito das redondezas, xingado de “ladrão” nos comentários de um vídeo performático na inauguração de sei lá qual obra. A vida é assim, sem muito sentido.

Penso muito nesses episódios quando me espanto com o silêncio de formadores de opinião, jornalistas, artistas, trabalhadores da cultura e influenciadores locais. Sei que boa parte não pode expressar sua indignação em alto e bom som por conflitos de interesses de seus empregadores. Mas nem todos estão presos a essa armadilha.

Para não sair do meu quadrado, volta e meia me deparo com postagens de escritores vizinhos revoltados com o governo Bolsonaro. Com muita razão, é claro. Um breve piscar de olhos e perdemos direitos, voltamos dez ou mais casas. Pesadelo interminável, mesmo. Mas nossa ilha particular passa longe de ser bom exemplo de progresso e desenvolvimento.

Poucos se aventuram a apontar o dedo na ferida das prefeituras, outros raros dão aquela compartilhada crítica às vergonhas de vereadores e secretários. Nessas horas, chego a pensar no receio de ter o nome vetado em editais públicos. Um pudor para não melindrar ex-colegas de faculdade com cargos comissionados nos arredores da província.

Veja bem, as chances de um emissário do governo federal bater à sua porta aos berros porque você usou uma hashtag na foto pós-vacina é bem remota. Em compensação, cruzamos com secretários e assessores municipais ali no Centro, no bairro ao lado, no mercado. É compreensível.

Fico na dúvida se aquele meu projeto cultural, concorrendo naquele edital municipal, não pode ser vetado porque chamei atenção para uma manipulação estatística DAQUELAS durante a pandemia. Ou porque não agradeci o prefeito, os vereadores e os secretários por fazerem sua obrigação ao fim de uma obra. Ou porque não sou de babar ovo de agentes públicos supostamente a serviço da sociedade.

Ou porque escrevo crônicas, algumas ácidas, às vezes bem lidas. Nunca se sabe. Quando meus colegas se levantam contra a boiada passando em Brasília, mas tossem e disfarçam ao ouvir mugidos locais, penso na vizinhança. Temos muito a perder nos indispondo com quem dividimos muro.

 Talvez eu precisasse falar menos, ser mais político. Não consigo. Sou um fodido, mesmo.