Parabéns às drogas

18 de dezembro de 2023 0 Por Leandro Marçal

No interminável mês de dezembro, as insuportáveis listas de melhores do ano bombardeiam o meu juízo. São premiações irrelevantes em categorias sem sal nem açúcar, troféus para reconhecer feitos desimportantes, repetições do autoengano sobre o espírito natalino, disfarces mal aplicados nas desnecessidades consumistas da época, repetições chatíssimas sobre renovação, esperança e prosperidade. E mais, muito mais.

Como entusiasta do bom humor, incentivador das festividades dezembrinas, paraninfo das alegrias obrigatórias do mês doze e negacionista da ironia, também me sinto na obrigação de deixar o meu reconhecimento a quem marca presença e muda vidas o ano todo. Se aquela propaganda antiga dizia ser impossível andar cem metros sem encontrar um orelhão, nesse tempo digital é raríssimo percorrer muitas quadras sem passar por estabelecimentos comerciais não reconhecidos pela lei. Fácil, mesmo, é encontrar um bom delivery, abastecendo a casa de gente fina, elegante e sincera demais para se expor nesses ambientes sujos.

Fiquemos de pé para uma salva de palmas às drogas! Por mais um ano consecutivo, ganharam de forma expressiva essa guerra inútil que há tanto tempo deixa muita gente, de preferência aquela mesma gente, morta nos cantões da cidade, morro acima e periferia adentro, com menos grana no bolso e mais melanina na pele.

Se você não se isolou do mundo e não esteve em coma, certamente se deparou com notícias sobre supostas balas perdidas em supostos confrontos da polícia com supostos traficantes, leu textos de abordagens e punições desproporcionais a quem carregava pouca erva, se interessou por adiamentos de punições a quem tinha muitíssima droga cruzando o mundo e muitíssima grana alimentando contas bancárias, se impressionou com operações midiáticas e punitivas para fazer a alegria de uma gente preocupada com violência e audiência. É ou não é um grande feito para as drogas?

Mais uma vez, o ano termina do jeito que começou. Lá em cima, fingem que a proibição total e irrestrita traz algum resultado prático. Cá embaixo, sentimos os efeitos dos interesses de uma guerra campeã de inocentes mortos. E os viciados?, e as cenas chocantes de violência nesses aglomerados de verdadeiros zumbis?, pergunta uma gente carola, uma gente incapaz de diferenciar saúde pública e segurança pública, uma gente cheia de fome punitivista e cega diante do espelho.

E assim, as drogas acumulam pó (desculpem!) sobre os troféus acumulados ano a ano. Deve existir um depósito escondido, a portas trancadas, onde essas premiações ficam escondidas para não chamar atenção. Tão escondidas quanto os interesses de quem ganha muito mantendo as coisas como estão. Custe o que custar, doa a quem doer, desde que a dor permaneça entre nós, nunca entre eles, desde que na estatística estejam os nossos, nunca os deles.

Parabéns às drogas. E não só pela vitória deste ano, mas pela certeza de mais prêmios no próximo e no próximo e no próximo, seja nos corpos recolhidos pelo IML, seja nos votos suicidas, seja nos discursos inflamados e hipócritas depois de cruzarmos cada esquina cheia de gente abandonada.

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