Padrão Like de Transmissão

8 de julho de 2024 1 Por Leandro Marçal

Nunca curti monopólios. Bater palmas para empresas dominando seu mercado de atuação, massacrando a concorrência, pisando na cabeça de quem também busca um lugar ao sol? Não é minha praia.

Nunca curti o monopólio nas transmissões esportivas. Se uma emissora comemora a exclusividade, me entristeço pela falta de opções. Eu sei, eu sei, nem todo mundo tem interesse por todas as competições. Mesmo entre os canais fechados, acontece de ter um campeonato aqui e outro ali só neste ou só naquele canal.

Faz parte do jogo. Mas não significa, necessariamente, que o jogo é bem jogado.

Nunca curti emissoras monopolizando transmissões esportivas. Mas virou uma odisseia descobrir onde assisto às partidas do meu time, do time do meu pai, dos campeonatos que gosto de ver. Canal aberto? Canal fechado? Tem no pacote da TV por assinatura? Pay per view? Qual deles? Streaming? Eu assino esse? Canal no YouTube? Qual? Isso equivale à TV aberta, né? Pronto, achei. E cansei.

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Me acomodo no sofá para me distrair com um joguinho. Mas sou prevenido. Dependendo de quem transmite, tomo um calmante, faço o sinal da cruz e me mantenho em alerta com a possibilidade de sustos nas próximas horas: de cinco em cinco minutos, gritos pedindo curtidas no vídeo, implorando para me inscrever no canal, suplicando comentários com a hashtag certa, clamando pelo envio de perguntas (quaisquer perguntas) para a equipe; as propagandas das QualquerCoisaBet, antes do jogo e durante o jogo e no intervalo do jogo e depois do jogo; o alerta amigável de “jogue com responsabilidade”, tentando me convencer de que essa brincadeira de perder dinheiro é só uma brincadeira, não pode virar vício; gente sem traquejo para apresentar um trabalho para uma classe de 40 alunos do Ensino Médio se arriscando a comentar uma partida sem nem ter se preparado porque “já esteve lá”; supostos humoristas e subcelebridades ocupando o lugar de quem tanto estudou para estar lá, tentando fazer graça, com pouco ou quase nenhum sucesso; gritos e mais gritos e mais gritos fora de hora para deixar a audiência ali, nem que seja pelo poder do espanto, sempre aos gritos.

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Esse texto não é um oferecimento da QualquerCoisaBet; nem de um banco praticando agiotagem legalizada às suas custas; tampouco daquela empresa de telefonia com sinal fraquíssimo, serviço péssimo, mas propagandas bem-feitas; muito menos de cervejas, mesmo das que eu bebo, mas sem relação alguma com esportes, ainda que o esporte transmitido pelas televisões pareça menos esporte que negócio; nada de corretoras de investimentos pregando a meritocracia a qualquer custo e falando da incrível lucratividade nesse país cheio de miseráveis passando fome; jamais seria um oferecimento de refrigerantes que nem bebo; nem pensar em lanchonetes com sanduíches cancerígenos, padronizados pelo subemprego para gente jovem e com poucas oportunidades na vida.

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Eu só queria ver o jogo, tranquilo, de boa, sem tropeçar nas narrações mais preocupadas em viralizar do que descrever lances agudos; sem topar com bordões completamente sem sentido, mas hipervalorizados, deixando aspectos técnicos dos “vendedores de emoção” jogados para baixo do tapete; sem cruzar com a estética de redes sociais, inflamando a gritaria histérica generalizada para todo e qualquer não assunto, criando polêmicas inexistentes para o programa pós-jogo render; sem ter o azar e o constrangimento de visualizar quadradinhos mostrando a cabine de transmissão nos gols, com a mesma estética dos programas de pegadinhas dos anos 1990; sem descobrir o “método Milli Vanilli” de repetir frases de efeito sopradas nos bastidores; sem narradores e comentaristas tentando aparecer mais que o evento, porque faltaram, cochilaram ou tiraram notas baixas na aula sobre jornalista ter menos importância que a notícia.

Eu só queria ver o jogo, tranquilo, de boa. Com emoção, sem apelação aos berros.

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Quando encontro o jogo, o evento, o campeonato, já sinto desânimo. Muito trabalho, muita procura. Correndo o risco de mal conseguir olhar para o campo na tela da minha televisão (é nova, é smart-não-sei-das-quantas), porque me distraio com os gritos gratuitos.

Talvez fosse melhor ver um filme, mesmo passando quase meia hora procurando uma boa opção no catálogo infinito das plataformas intermináveis.